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A ameaca de suicidio

Dias atrás, telefonei para uma amiga e fiquei assustada com as suas reações. Ela me disse que estava desanimada de tudo, que não queria mais trabalhar, desejava só ficar em casa e falava até em suicídio. O que está acontecendo com a minha amiga? Será que ela precisa do acompanhamento de um psicólogo? — Amiga preocupada de São Paulo

Winnicott, o famoso psicanalista inglês no qual se inspira uma corrente da psicanálise contemporânea, costumava dizer que o suicídio talvez seja a última e desesperada tentativa de dizermos que estamos vivos. A situação psíquica de sua amiga, descrita em sua pergunta, é sem dúvida grave e dolorosa. Remete a uma sensação total de “esvaziamento”, de perda de sentido. A vida não apresenta mais situações que possam ser “investidas” emocionalmente, que despertem a estrutura do desejo. A vida afetiva não consegue mais achar “objetos” que possam ser sonhados e acariciados pelo desejo. A própria vida profissional parece sem sentido, sem objetivos, esvaziada.

Sabemos que a estrutura desejante é extremamente importante para que possamos ter acesso à energia psíquica (libido) que nos lança em direção ao mundo externo e que permite, ao mesmo tempo elaborar criativamente os produtos do nosso mundo interno. É natural portanto que, diante do quadro acima descrito, a pessoa se sinta desmotivada e sem energia vital suficiente para sair de si mesma. É como se precisasse descansar, buscando se refugiar em um núcleo interno protegido de qualquer interferência do mundo externo. Este movimento é necessário, embora possa assustar quem o observa de fora. A pessoa precisa poder entrar em contato consigo mesma. Às vezes, esse movimento pode levar a passar horas dormindo, na tentativa de poder “sonhar” novamente alguma coisa. Este estado sugere que o estado “anterior”, considerado normal por ela mesma e pelos outros, era na realidade patológico, pois exigia da pessoa uma constante abdicação de si mesma.

Falar em suicídio pode ser uma forma de expressar a necessidade de poder habitar a si mesmo, de se sentir vivo. Na realidade, o suicídio poderia ser visto neste caso como uma um gesto simbólico e paradoxal para sair de um estado em que a pessoa se sente totalmente à mercê de um mundo estranho e agressivo. Seria uma forma de reverter um estado de adaptação a um ambiente que é sentido como intrusivo e aversivo. Nem sempre essas ameaças expressam uma real vontade de morrer, e levam de fato ao suicídio. De qualquer forma, é bom não desconsidera-las.

A sua hesitação quanto à necessidade de se submeter a um tratamento reflete o quanto ainda exista um preconceito no que diz respeito às questões que envolvem a saúde psíquica. Se o problema fosse uma dor física não haveria hesitação quanto à necessidade de consultar um médico, mas, por se tratar de uma dor psíquica, existe a tendência de pensar que possa não ser tão grave assim, que possa se tratar de manha, de algo passageiro, de uma reação exagerada, ou talvez até de fraqueza, ou pior ainda de falta de fé. No entanto, tudo indica que é realmente necessário que sua amiga recorra à ajuda de um profissional especializado que possa avaliar seu real estado.

Quanto à possibilidade de reverte-lo, isso dependerá de uma terapia bem-sucedida conduzida por um psicólogo ou um psicanalista e, se for necessário, do recurso a uma medicação adequada, com o acompanhamento de um psiquiatra.

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