Nestes dias o conhecido jornal francês Le Monde publicou um artigo na seção de Economia sob o curioso título: «Mesurer l’état de l’économie relève actuellement de la devinette» (Medir o estado da economia atualmente supõe recorrer à adivinhação). É exatamente essa a sensação que o homem contemporâneo sente observando o multiplicar-se de situações diante das quais qualquer previsão se torna aleatória, não apenas no terreno da economia.
Claro que, apesar desse cenário, continuamos assistindo às falas dos “inspirados”, que conseguem se pronunciar sobre praticamente tudo. Eles graciosamente nos fornecem a “verdade” cuidadosamente embalada em sedutoras fake news.
No entanto, se você pertence à multidão dos perplexos, dos que já não conseguem se pronunciar com tanta certeza sobre quase nada, provavelmente está um pouco menos vulnerável às alucinações da (des)informação online.
A psicanálise desenvolveu um método de escuta dos seus pacientes que Freud denominou “escuta flutuante”. A meu ver é uma das habilidades mais difíceis de se perseguir na “prática” analítica. Ela supõe a suspensão da crítica, do desejo e até daquilo que supostamente sabemos, o suposto saber do analista, muitas vezes solicitado pelo próprio analisando que dele espera uma espécie de oraculo libertador. Esse tipo de escuta supõe entrar nas brumas de Avalon, suportando a “turbulência emocional” da qual falava o psicanalista inglês Bion e que está na base de sua complexa teoria do pensar. É a partir desse lugar inóspito que a psicanálise visualiza a possibilidade do pensamento criativo.
A performance, a segurança de si, a “agência” que o homem e a mulher contemporâneos são desafiados a mostrar no seu dia a dia evidentemente se chocam com essa necessidade de suspensão do saber. Inibem a abertura para o desconhecido e para o pensamento criativo. Infelizmente, não é possível acessarmos novos saberes a não ser a partir do reconhecimento do nosso “não saber”, a maioria das vezes disparado pelos excessos de saber aos quais temos acesso online.
Desde o nosso nascimento somos desafiados a conviver com a radical alteridade do “outro”, do mundo “não eu” como o denominava o psicanalista Winnicott. Esse outro se apresenta cada vez mais claramente como sendo Real. Ele sobrevive aos nossos ataques, à nossa tentativa de controla-lo, de manipulá-lo onipotentemente, continua lá, até reconhecermos a sua inevitável realidade que nos permite sair da área da onipotência, para adentrarmos o espaço criativo do “entre”. Essa é também a experiência do amor, do yadah bíblico, que pode ser traduzido como conhecer ou se unir sexualmente com o outro.