Bem que me esforço, mas não consigo deixar de ter preconceito contra pessoas ‘de cor’. O que fazer? (Anônimo)
Sempre haverá preconceitos por uma simples razão: o que nós enxergamos do outro não corresponde à sua realidade e sim a uma “realidade construída” dentro de nós, a partir de nossas fantasias inconscientes, que revestem os objetos externos e os deformam. Pascal Mercier no romance Trem noturno para Lisboa, aborda esse paradoxo, que leva o protagonista Raimund a empreender uma radical mudança de vida, guiado pelas anotações recolhidas no livro de um misterioso médico português descoberto casualmente em um sebo de Berna.
Apesar de ser um processo muito comum da mente, o que o caracteriza é a firme convicção de que a nossa percepção é real, representando “de fato” o que está à nossa frente.
No caso dos preconceitos, talvez somente consigamos nos dar conta do quanto são visões distorcidas do real a partir do momento em que formos vítimas de um deles. O preconceito causa em quem o sofre a sensação dolorosa de ser transformado pelo olhar do outro em algo que não corresponde á percepção que ele tem de si mesmo. O olhar do outro tem um poder muito grande, é como se alguém se dispusesse a nos retratar pintando um quadro e, ao vê-lo, tivéssemos a surpresa de ver nele representado alguém muito diferente de nós. É óbvio que também a imagem que nós temos de nós mesmos não é exatamente o que nós somos, mas isto nos levaria para outro caminho, nos afastando do tema deste artigo. A pergunta do nosso leitor se focaliza sobre a dificuldade de “lutar” contra o preconceito.
Podemos ter dois tipos de dificuldade, correspondendo à maneira como lidamos com o nosso mundo interno. Algumas pessoas, psiquicamente mais evoluídas e portanto mais conscientes, conseguem perceber intuitivamente que há uma diferença entre aquilo que a mente deles concebe e aquilo que “de fato” o mundo externo apresenta. Digamos que é uma “desconfiança” que as torna mais prudentes antes de emitir um julgamento e de verbalizá-lo.
Para outras pessoas é mais difícil separar o que elas “sentem” e acreditam estar vendo é o que elas de fato veem. Seus julgamentos são emitidos de forma precipitada, sem “desconfiar” que podem não ser objetivos.
O processo de pensar deve poder suportar a frustração de não poder pensar nada. A pressa de pensar algo e emitir um julgamento nos leva inevitavelmente a sermos vítimas dos nossos processos emocionais inconscientes.
Mas de onde vêm os elementos emocionais que distorcem as nossas percepções? O nosso mundo interno é constituído por uma complexa rede de lembranças emocionais, ligadas a experiências que são acumuladas a partir da carga emocional que elas têm para o psiquismo. Quanto mais intensa for a carga emocional a eles associada, mais intensa será a sua força.
Os preconceitos se alimentam dessa rede de emoções que emergem de forma abrupta sem que a mente consiga processá-las através do pensamento. Eles têm um aspecto que poderia ser classificado como sendo “compulsivo”, pois se impõem à mente racional como algo já pronto. Neste sentido à razão apenas resta encontrar um modo para “justificar” o que o nosso mundo interno já sentenciou como sendo “verdadeiro” e real. Neste sentido o preconceito é realmente algo que antecede (pré) o conceito.