Psicose e perversão
Quando falamos em perversão, do ponto de vista psicológico, não estamos emitindo nenhum juízo sobre o caráter moral da pessoa. Freud considerava a perversão como um tipo de funcionamento psíquico que, por algumas características, estaria mais próximo da psicose (loucura) que da neurose.
Os sintomas que caracterizam essa síndrome não têm contudo a mesma intensidade da psicose. Quem já teve a oportunidade de se relacionar com um psicótico sabe o quanto é difícil para ele estabelecer vínculos. A dificuldade não abrange apenas as relações pessoas, mas também as relações com o mundo externo em geral. Ambos são negados e rejeitados. Fantasia e realidade estão sempre intimamente relacionadas na mente do psicótico que, tem muita dificuldade em separar uma da outra.
As fantasias podem chegar a tamanha intensidade que podem criar imagens, sons ou outras percepções sensoriais que são percebidas como reais, embora existam apenas na mente do psicótico. É o que chamamos de alucinação. Tramas conspiratórias são criadas com riqueza de detalhes e se tornam absolutamente “reais” e fazem com que o psicótico se veja à mercê de inimigos imaginários e perigosos (paranóia).
A intensidade da relação com o mundo interno faz com que dificilmente o psicótico aceite o “outro” e as exigências da realidade, a não ser que estejam em sintonia com algum aspecto do seu mundo interno. Por causa disso discutir com um louco é absolutamente inútil, ele nunca mudará de posição.
O perverso tem também dificuldade de se relacionar com a realidade externa e com o outro, mas não chega a negar completamente o mundo externo e tampouco se fecha em seu mundo interno de forma radical. Aliás, ele pode até ser uma pessoa sedutora, aparentemente segura de si e com uma tendência a assumir a liderança.
O que caracteriza o perverso é a absoluta incapacidade de se “deslocar” psiquicamente para tentar ver as coisas a partir dos apelos do outro e do mundo externo.
Se a realidade não é negada, ao mesmo tempo, ela não pode ser “acolhida”. A única saída é tentar manipulá-la de maneira que esteja o mais possível próxima às necessidades internas do perverso.
Isto pode resultar em tentativas onipotentes de controle da realidade. Uma forma de exercer esse controle é exigir dos outros que se adaptem à sua vontade, por exemplo cumprindo horários e rotinas por ele impostas, ou então, uma “adesão” quase absoluta aos seus pontos de vista e aos seus desejos.
Embora o perverso aparente segurança e, às vezes, até uma certa arrogância, ele está lutando continuamente, dentro de si, para não entrar em colapso. Seu mundo interno é percebido como um grande vazio, dominado pela sensação de estar em uma prisão. A angústia´beira o insuportável.
Ele nega a realidade porque foi “negado” no momento em que seu psiquismo estava se constituindo. Existe por trás de todo perverso uma mãe que o negou, que lhe negou qualquer possibilidade de autonomia psíquica.
O perverso portanto não se submete à realidade ao outro pela necessidade de se “separar”, de desfazer uma sensação interna de submissão inexorável a uma mãe que o nega constantemente.
Estamos diante de um dos paradoxos mais dramáticos e dolorosos do mundo psíquico. O constante ataque ao outro faz com que o perverso se torne um paciente extremamente difícil, no caso dele se submeter a uma terapia. Trata-se portanto de uma síndrome que exige um terapeuta experiente e paciente.