O Papa a Lampedusa
Gostaria de comentar brevemente o discurso do Papa Francisco a Lampedusa, porta de entrada da imigração ilegal na Europa. O discurso não aponta apenas para a crescente indiferença diante de tragédias humanas como a que envolve a imigração clandestina e o tráfego de vidas humanas, mas também para fenômenos psíquicos, que revelam a patologia do homem de hoje.
Duas perguntas, extraídas do Livro do Gênese, norteiam a reflexão do Papa: «Onde estás, Adão?» e «Caim, onde está o teu irmão?». Trata-se de dois temas fundamentais: a relação do homem consigo mesmo e a relação com o outro. Neste caso poderíamos até dizer a relação com o Outro, com letra maiúscula como gostava Lacan, para indicar o totalmente outro, o estrangeiro, o Outro que perturba a minha vida por ser incompreensível, opaco.
Uma das temáticas mais urgentes da psicologia contemporânea é o encontro do sujeito consigo mesmo, com o seu Self, um encontro que embora tenha uma conotação narcísica, não pode levar à onipotência da perversão (considerar-se Deus), ou à exasperação maníaca (achar que se pode dominar tudo).
Este homem desorientado, o Adão contemporâneo, perdeu a referência a si-mesmo, ao seu núcleo sagrado, bem como as referências ao mundo externo (o seu lugar na criação). Há uma quebra de harmonia. A “relação” consigo mesmo, com o mundo e com o outro foi rompida. Hoje vivemos uma espécie de psicose coletiva que nos leva a ignorar o outro e com ele a própria realidade.
Surge então mais uma pergunta, que leva a uma triste conclusão: «Quem de nós chorou por este fato [a morte dos imigrantes no barco que afundou] e por fatos como este? Somos uma sociedade que esqueceu a experiência de chorar, de «padecer com»: a globalização da indiferença tirou-nos a capacidade de chorar! ».
Uma das tendências do homem contemporâneo é viver em uma bolha, a bolha narcísica que assola não apenas a economia, mas também as relações do homem com o mundo e com o outro de forma geral. É a globalização da indiferença.