O exemplo vem de casa?

Às vezes me deparo com pais preocupados, pois acham que os seus filhos estão se desviando dos seus ensinamentos. De fato não é raro que isso aconteça, sobretudo no período da pré-adolescência e da adolescência, quando surge a necessidade do filho se “separar” dos pais, para afirmar a sua autonomia, sua independência e, dessa forma, fortalecer a sua estrutura egóica (o seu “eu”).

Para  muitos pais essa constatação costuma ser muito dolorosa, e pode gerar uma sensação de fracasso. Em algumas circunstâncias, por causa da identificação inconsciente que existe entre pais e filhos, se o filho demonstrar uma personalidade dúbia, pode até provocar nos pais uma sensação de cisão interna, uma verdadeira fratura do eu, muito dolorosa do ponto de vista psíquico. É como se algo muito profundo não pudesse mais ser reconhecido como sendo próprio.

No entanto, contestar os pais e se afastar de suas “formas”, ou seja, de sua maneira de ser e de ver o mundo faz parte da experimentação típica desse período do desenvolvimento. É bastante interessante – e até divertido —  nessa fase observar o quanto o filho se “esforça” para se diferenciar dos pais, da mesma forma como se esforçava, quando criança, para imitá-los.

Passados porém alguns anos, não é raro que os pais se surpreendam ao perceber o quanto os filhos se parecem com eles, pelo menos em algumas das suas maneiras essenciais de ser e de ver o mundo. Aliás, não é raro que também se pareçam com os pais em alguns aspectos de sua neurose.

Tudo isso se dá exatamente porque esses elementos constitutivos daquilo que poderíamos chamar estrutura profunda de personalidade inconsciente (o si-mesmo, o self), são adquirido pela criança no contato com o ambiente e por um processo de identificação inconsciente com o meio. Da mesma forma, também aspectos negativos, que constituem a “doença” do ambiente, sua neurose, costumam ser assimilados.

O ambiente (familiar) é determinante na constituição do psiquismo da criança. Quando porém falamos em “dar o exemplo” estamos pensando em atitudes conscientes, voluntariamente transmitidas: os pais responsáveis costumam se cobrar bastante nesse sentido. Não quero desanimá-los e tão pouco desencorajá-los dessa nobre intenção, mas as coisas são mais complexas do que parece.

Um exemplo pode esclarecer o que quero dizer. Os pais freqüentam uma comunidade religiosa e instruem o filho de acordo com os ditames de sua religião. O filho participa de um grupo de instrução religiosa da comunidade. No entanto, o pai, tomado pelos compromissos de trabalho e pela necessidade de praticar esporte nos fins de semana, foi ausente durante boa parte da primeira infância, A mãe, por sua vez, é uma pessoa retraída, pouco acostumada a fazer valer sua vontade, com tendência a se submeter à vontade dos outros, inclusive do filho e do marido.

Sem o “barramento” paterno, o filho cresce acostumado a não ter limites para sua expansão psíquica. É teimoso, mantém uma relação dominadora com a mãe, que se submete aos seus caprichos. Pouco acostumado a se deixar frustrar pelo mundo externo, sente dificuldade no convívio social, onde às vezes age de forma agressiva (não saúda, chuta pessoas mais velhas, ignora as pessoas, etc.), apesar dos pais terem sempre valorizado e praticado a necessidade de respeitar o próximo.

Neste caso, o exemplo dos pais não foi assimilado ao comportamento da criança. Seu núcleo inconsciente agressivo e controlador prevalece, mesmo em oposição aos valores ético e estéticos assimilados no convívio com os pais.

Outro caso em que as coisas se mostram bastante complexas é quando as identificações com os pais funcionam ao contrário, por causa do vínculo aversivo que se estabelece entre pais e filho. Isto significa que o mau exemplo dos pais pode ser usado para agir de forma oposta pelo filho e que o seu “bom exemplo” pode ser rejeitado por este, caso não seja acompanhado por um vínculo afetivo consistente (pais percebidos como sendo distantes, moralistas, invasivos, agressivos, etc.).

Enfim, nem sempre o “exemplo” serve. Muito mais importante é o vínculo afetivo consistente, que garante a transmissão dos valores éticos e estéticos de forma mais profunda.

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