Na floresta dos símbolos

Na floresta dos símbolos
© Roberto Girola – Agosto 2002

Introdução

A considerações que vou fazer a seguir, tiveram como ponto de partida o artigo de Hanna Segal intitulado “Notas a respeito da formação de símbolos”.[1] O meu objetivo é fazer, a partir do ensaio desta autora, uma breve releitura da teoria psicanalítica de Melanie Klein — com referências aos sucessivos desenvolvimentos de Bion e Winnicott — e, ao mesmo tempo, estabelecer um paralelo, no que diz respeito à questão dos símbolos, com algumas questões importantes que caracterizam o que hoje se define vagamente como cultura pós-moderna.

Como afirma Hanna Segal, “a formação de símbolos governa a capacidade de comunicação, já que toda a comunicação se faz por meio de símbolos”.[2] Trata-se de um terreno onde se cruzam questões filosóficas ligadas à Gnosiologia, questões da Teoria da Comunicação, no processo que envolve significantes e significados, e questões ligadas à própria Psicanálise, no que diz respeito à maneira como a simbolização ocorre, a partir dos processos inconscientes, no indivíduo. O meu intuito é de traçar alguns paralelos entre essas diferentes áreas do saber. Trata-se evidentemente de uma tentativa provisória, um esboço, sem pretensões de esgotar um tema tão sugestivo, profundo e abrangente, que sem dúvida merece um exame mais atento.

Gostaria ainda de sublinhar que o objetivo deste trabalho não é meramente especulativo. O tema, a meu ver, é profundamente ligado à prática clínica, a partir do momento em que as questões levantadas são relevantes para a compreensão do homem contemporâneo em sua situação existencial. Perceber as tensões culturais às quais ele é submetido e o impasse psíquico que estas geram é fundamental para uma prática clínica que não faça do setting analítico um espaço estático e asséptico, e sim um lugar dinâmico, onde convergem todas as tensões e os dramas humanos, em sua extrema complexidade e no contexto mutável do tempo e do espaço.

Estou consciente que uma ampliação do universo hermenêutico desse tipo pode parecer uma abordagem arriscada. Esta é sem dúvida uma questão importante e amplamente debatida, a partir do momento em que a Psicanálise deixou de ser assunto de psicanalistas e passou a se tornar um fenômeno cultural. Sartre, Lyotard, Foucault, Baudrillard, para citar alguns nomes, são exemplos de pensadores que empregam os conceitos psicanalíticos num universo hermenêutico que não é psicanalítico.[3] A suspeita de uma extrapolação de sentido fica pairando no ar. No caso da representação simbólica, a abordagem hermenêutica do processo de representação na Filosofia não é a mesma da Psicanálise, centrada nos processos psíquicos inconscientes. Como afirma Baudrillard, “a Psicanálise fez estremecer a relação significante significado”, questionando portanto as demais abordagens hermenêuticas.

Na perspectiva psicanalítica, “o significante, em vez de manifestar o significado em sua presença, está numa relação inversa com ele: ele o significa em sua ausência, em sua repressão, de acordo com uma negatividade que jamais aparece na economia linguística”.[4] Neste sentido o significante manifesta, para a Psicanálise, a ausência do objeto perdido e o substitui. É o que afirma Leclair, citado por Baudrillard: “O conceito de representação se situaria em psicanálise não, de maneira alguma, entre uma realidade objetiva, de um lado, e sua figuração significativa, do outro, porém, antes, entre uma realidade alucinada, de um lado, imagem mnésica [sic] de um objeto satisfatório perdido, e um objeto substituto, do outro, seja uma fórmula-objeto, como a que constitui o fantasma, ou um artefacto instrumental, como o pode ser um fetiche”.[5] Baudrillard acrescenta: “A equivalência linguística se perde porque o significante está no lugar de outra coisa que já não existe ou que nunca existiu”.[6] No entanto, Baudrillard observa:

“Se portanto estamos, com o significante psicanalítico, fora da equivalência lógica, nem por isso, estamos fora, nem além, do valor. Porque aquilo que ele representa em seu ‘breve momento’ sempre é por ele designado perfeitamente como valor in absentia, sob o signo da repressão.”[7]

Com isso Baudrillard quer dizer que, se por um lado a simbolização, assim como é percebida pela Psicanálise, introduz um elemento subversivo ligado aos processos primários do inconsciente, que perturba a “ordem do discurso” (para usar a expressão de Foucault), por outro lado ela volta a recuperá-la, mediante a “razão analítica”, sob a jurisdição da interpretação.[8] Isto porque, na opinião de Baudrillard, o “pensamento ocidental não suporta e, no fundo nunca suportou, o vazio da significação, o não-lugar o não-valor”.[9] Bion apontava para a mesma dificuldade no seu ensaio “Turbulência emocional”.

“Se é verdade que o sr humano como a natureza, abomina o vácuo, não consegue tolerar o espaço vazio, então ele vai tentar preenchê-lo encontrando alguma coisa que entre naquele espaço que foi revelado pela sua ignorância. A intolerância de frustração, o desgosto de ser ignorante, o desgosto de ter um espaço que não é preenchido, pode estimular um desejo precoce e prematuro de preencher o espaço”.[10]

O próprio Bion admite que a Psicanálise pode, neste sentido, se tornar uma “espécie de elaboração do tipo tapa-buracos”.

A conclusão à qual chega Baudrillard, nos reaproxima do cerne de nossa questão: “Não há diferença entre o linguístico e o psicanalítico – e citando Lyotard – ‘A distância das palavras com relação às coisas é revertida pelo uso daquilo que há de ’coisa’ na palavra, pela mediação de sua carne e do eco que sua carne pode produzir na caverna da sensibilidade, ao rumor que ai suscitaria a coisa’”.[11] Foucault faz outra afirmação que me parece significativa neste contexto, pois mostra a interação que existe entre a ordem do discurso e o desejo: “O discurso – como a Psicanálise nos mostrou – não é simplesmente aquilo que manifesta (ou oculta) o desejo; é também aquilo que é objeto do desejo”.[12]

As questões levantadas até aqui têm por objetivo mostrar que, apesar do seu aparente conteúdo subversivo, a Psicanálise não consegue se afastar daquilo que Foucault define como a “ordem do discurso”. Para Baudrillard, a Psicanálise não consegue penetrar o campo do simbólico. De fato, o simbólico seria aquilo que está além do inconsciente e da Psicanálise; “os processos simbólicos (…) não se confundem de modo algum com os processos primários (deslocamento, condensação, repressão)”,[13] pois haveria entre eles uma oposição, embora ambos se oponham ao discurso lógico do sentido. Ao tentar interpretar, o psicanalista volta a cair na prisão do discurso, em que o sentido é capturado em palavras, em significantes que inevitavelmente o esvaziam. Entramos assim num tema típico da cultura pós-moderna que é o questionamento das relações de poder que se estabelecem em nível cultural, mesmo quando se tenta negá-las. Uma camisa de força, da qual, como veremos, nem os próprios pensadores pós-modernos conseguem escapar. Na clínica, isto se manifesta no questionamento da própria interpretação, quando ela si torna um instrumento de poder do analista, uma imposição de sentido que não brota da criatividade psíquica do paciente, do espaço da ilusão, como diria Winnicott, ou do espaço da reverie, como diria Bion.

A formação dos símbolos

Mas vamos deixar para mais tarde as questões levantadas pelo pensamento pósmoderno. O que me levou a abordar este tema, foram as considerações de M. Klein, extraídas do dia-a-dia de sua prática psicanalítica. Ao falar da importância das experiências reais para a criança, Klein afirma que as “experiências externas [o grifo é meu] são de importância suprema através de toda a vida”, embora logo observe que muito depende “das formas pelas quais (…) são interpretadas e assimiladas pela criança”.[14] Trata-se portanto de uma questão relevante, a partir da importância que têm as relações de objeto na formação do psiquismo humano. Podemos de fato considerar o surgimento da consciência humana como o lugar onde se encontram as poderosas forças do id e o mundo externo, desde o primeiro momento em que começam a se estabelecer as relações de objeto, dominadas por processos cada vez mais sofisticados de comunicação e de conhecimento. Ao falarmos de encontro, estamos falando de interação, interdependência, de um processo criativo em que o objeto constitui o sujeito e em que o sujeito, de certa forma, constitui o objeto. Parece-me possível estabelecer um paralelo entre estas questões e as considerações da própria Hanna Segal, acrescentadas ao artigo citado, numa nota de 1979,[15] na qual, a partir do trabalho de Bion, fala sobre a relação entre continente e contido, afirmando que, no que se refere à formação de símbolos, “esta relação é de grande importância”.[16] Ao analisar o primeiro caso clínico citado nesta nota, Segal retomando a posição de Klein, mais uma vez afirma que o “o fator ambiental desempenha um papel importante”, pois as projeções da paciente se concretizam no mundo externo. Para entender melhor esta colocação de Segal e para sucessivamente ampliar seu horizonte hermenêutico a partir da Filosofia e da Teoria da Comunicação, iniciarei expondo o pensamento desta autora no contexto da teoria kleiniana.

Qual é a importância da formação de símbolos no âmbito do psiquismo humano e como se dá o processo de simbolização? Citando Ernest Jones, Segal faz remontar a formação do símbolo ao desejo, que ao ser reprimido, tende a se expressar, substituindo o objeto do desejo por um símbolo. O campo em que se origina o símbolo é portanto o campo pulsional. Por trás de um símbolo temos a libido, o recalque e uma situação de ansiedade. Sabemos que, para Freud, o desfecho ideal da libido, diante da necessidade do recalque é a sublimação, na qual as forças libidinais encontram uma expressão que não entra em choque com as exigências do superego, fazendo com que o ego se encontre em sintonia com o ego Ideal, uma imagem interna projetada pelo próprio superego. O comportamento sublimado é geralmente aceito do ponto de vista social, estabelecendo-se portanto uma situação de equilíbrio entre as exigências libidinais internas e aquelas da realidade externa. Se, para Jones, os símbolos surgem quando a sublimação não é bem sucedida, para Melanie Klein, a sublimação supõe uma expressão simbólica de ansiedades e desejos e, se ela não ocorre, todo o desenvolvimento do ego é interrompido. Segal, adere à posição kleiniana. Na sua perspectiva, a simbolização se dá na relação de três termos: a coisa simbolizada (o objeto original), o símbolo e o sujeito. “A formação de símbolos é uma atividade do ego tentando lidar com as ansiedades mobilizadas pela sua relação com o objeto”,[17] traduzindo-se em medo de objetos maus e medo de perder objetos bons. Qualquer perturbação na relação do ego com o objeto acaba prejudicando a formação do símbolo. Isto é particularmente claro no pensamento concreto que caracteriza os estados psicóticos, onde se evidencia uma perturbação na diferenciação entre o ego e o objeto e portanto entre o símbolo e o objeto simbolizado.

Relações de objeto

Vale a pena notar, a partir desta observação, a importância que adquire na visão kleiniana, adotada por Segal, a relação de objeto. Se, na visão freudiana, o psiquismo da criança, na sua fase arcaica, é basicamente auto-erótico e narcísico, para Klein a relação de objeto se impõe desde o início como um fator determinante. Betthy Joseph resume bem a posição de Freud e, a seguir, de Melanie Klein:

Freud, em seu trabalho, sobre relações de objeto, descreveu os vários estágios que a criança atravessa no curso do seu desenvolvimento, afirmando não existir, nos estágios mais iniciais, relação emocional com objetos, mas apenas com o próprio self, o que descreveu como narcisismo primário.[18]

Enquanto Freud pensava que somente em fases mais avançadas de seu desenvolvimento a criança introjetava no seu superego objetos externos “coloridos por seus próprios impulsos”, Klein “via tal processo como (…) presente desde o início da vida: os impulsos que a criança experimenta em relação ao seu objeto, são projetados para dentro deste, e o objeto é consequentemente incorporado, introjetado com as cores dos impulsos projetados”.[19] A introdução da “relação” de objeto como um elemento fundamental desde o início da vida da criança, introduz uma perspectiva nova, pois insere a formação do psiquismo em seus estágios arcaicos no contexto das relações com o mundo externo. Acredito portanto seja útil determos sobre a maneira como Melanie Klein descreve as relações de objeto e as formações psíquicas decorrentes.

Para Klein o ego arcaico, durante os primeiros meses de vida, oscila entre duas tendências básicas, a integração e o despedaçamento. “O ego imaturo do bebê é exposto, desde o nascimento, à ansiedade pela polaridade inata dos instintos – o conflito imediato entre o instinto de vida e o instinto de morte -, assim como é imediatamente exposto ao impacto da realidade externa”.[20] Klein integra no funcionamento arcaico do psiquismo, como um fator determinante, a pulsão de morte.[21] Por causa da atuação da pulsão de morte surge no bebê a ansiedade, percebida como medo de aniquilamento.[22] Esta situação psíquica, inicialmente vivida a partir de impulsos e fantasias internas, logo é modificada pelo contato com o objeto externo. “O medo do impulso destrutivo parece ligar-se imediatamente a um objeto”[23] externo sobre o qual é projetado o instinto de morte. Isto faz com que o objeto externo seja percebido como dominador e vivenciado sob a forma do sentimento de perseguição.[24] Da mesma forma, se ligam a objetos externos o trauma do nascimento e a frustração de necessidades corporais, que, pela introjeção, passam a interagir com a pulsão de morte, tornando-se perseguidores internos.

Mecanismos de defesa

Vemos portanto que, para M. Klein, desde os primeiros momentos de vida, existe uma interação entre o mundo interno do bebê e o mundo externo mediada pela relação de objeto. Nesta fase, contudo, a maneira do bebê perceber o mundo externo é ainda rudimentar. O objeto externo é percebido como um objeto cindido, assim como o próprio mundo interno e percebido pelo bebê como fragmentado. O universo primitivo com o qual o ser humano entra em contato é, para Klein, o seio materno, percebido como cindido em seio bom e seio mau. Bom quando alimenta, mau quando se afasta e deixa de alimentar. Para Klein, o futuro desenvolvimento de um perfil esquizóide depende da maneira como se dá a interação entre objeto bom e mau, o primeiro percebido com fragmentado e desintegrador e o segundo percebido como integrador.

Para lidar com a ansiedade que esta situação acarreta o ego desenvolve, além da cisão, outros mecanismos de defesa, entre eles a projeção, uma “deflexão da pulsão de morte para fora”,[25] e a introjeção. Tanto aspectos bons como maus podem ser projetados ou introjetados, numa tentativa de obter o controle sobre o objeto mau e se precaver da perda do objeto bom. Um destaque particular merece o mecanismo de defesa que Klein define como identificação projetiva. Através desse mecanismo, “partes excindidas do ego são (…) projetadas (…) para dentro da mãe”,[26] com o objetivo de danificar e sobretudo de controlar e tomar posse do objeto. Por outro lado, como sublinha M. Klein, a atividade da pulsão de morte não pode ser considerada separadamente da atividade da pulsão de vida, que leva o ego a prender-se ao objeto externo, no caso o seio bom, percebido como um seu representante, cuja introjeção reforça o poder da pulsão de vida internamente. “O seio bom internalizado e o seio mau devorador formam o núcleo do superego, em seus aspectos bons e maus; são os representantes, no interior do ego, da luta entre as pulsões de vida e de morte“.[27] Trata-se de uma projeção do objeto interno no externo e vice-versa,[28] que dependendo de sua intensidade e do prevalecer dos objetos maus sobre os bons, pode conduzir a uma situação de perturbação psíquica ou de normalidade.

No que diz respeito à personalidade normal, pode-se dizer que o curso do desenvolvimento do ego e das relações de objeto depende da medida em que pode ser alcançado um equilíbrio ótimo entre introjeção e projeção nos estágios iniciais do desenvolvimento. Isso, por sua vez, tem relevância para a integração do ego e a assimilação dos objetos internos.[29]

O resultado desses mecanismos pode ser uma “ligação compulsiva” com determinadas pessoas (idealização) ou então um “retraimento” em relação a elas (negação). Vale porém a pena frisar que a maneira como ocorre uma projeção de um objeto interno excindido influencia a maneira como o próprio objeto interno correspondente ao excindido é vivenciado. Se predominar nas relações de objeto a agressividade, o resultado interno “é um enfraquecimento excessivo do ego, um sentimento que não há nada que o sustente e um correspondente aumento de solidão”.[30] Bion, ao falar sobre o desenvolvimento do pensamento esquizofrênico, aprofundará esse aspecto apontando os mecanismos psíquicos que levam ao despedaçamento dos objetos internos e sua adesão a partes da personalidade que também são projetadas sob forma de excisão e introduzidas de volta num processo de “identificação projetiva invertida”, provocando assim um empobrecimento psíquico e contínuos ataques ao pensar.[31]

Dentre os processos defensivos já mencionamos a negação e a idealização, a idealização é uma maneira de exagerar os aspectos positivos do objeto bom, como “salvaguarda contra o medo do seio perseguidor”.[32] Já pela negação “o objeto mau não é apenas mantido separado do bom, mas sua própria existência é negada”. Ao mecanismo de negação está ligado ao sentimento de onipotência e aquele da aniquilação do obje

to.

A posição esquizoparanoide e a posição depressiva

Para compreendermos o processo de formação de símbolos no âmbito do psiquismo humano, assim como o concebe Hanna Segal, é importante analisar outros dois pontos fundamentais da teoria kleiniana, decorrentes das premissas acima expostas acerca das relações de objeto e dos mecanismos de defesa contra a ansiedade.

Como vimos, a projeção externa de objetos internos maus excindidos produz um sentimento de perseguição. A reintrojeção dos perseguidores externos, por sua vez, provoca ansiedade. Por outro lado, a projeção de partes boas produz o sentimento de ser esvaziado e abre caminho para a invasão de objetos externos perseguidores. A identificação projetiva provoca o medo de que o objeto atacado retalie e a ansiedade de ver partes boas de si controladas pelo objeto no qual foram projetadas.

A partir de suas experiências clínicas com crianças e da observação de como se originam as psicoses, Klein chega a formular uma tese que mostra como todo ser humano experimenta as flutuações às quais é exposto o ego, vivendo situações de ansiedade que se alternam entre duas posições, ambas combinando mecanismos de projeção e introjeção. A posição esquizo-paranóide é caracterizada pelo ataque ao objeto externo e pela conseqüente reintrojeção deste como perseguidor. Neste contexto “a ansiedade persecutória e a agressão se reforçam mutuamente”.[33] A ansiedade persecutória é predominante na fase mais arcaica da vida do bebê (primeiros três, quatro meses) e está relacionada ao fato da criança perceber inicialmente o objeto externo (mãe) como cindido (em seio bom e seio mau). Prevalecem portanto nesta fase a pulsão de morte e os consequentes sentimentos agressivos. M. Klein contudo alerta para o fato que, já desde estes primeiros momentos de vida, a pulsão de vida opera fazendo com que se dê uma certa síntese entre amor e ódio inclusive em relação aos objetos parciais.[34] Contudo, a partir do momento em que o objeto começa a ser percebido como objeto total – que integra em si tanto os elementos bons como os maus -, começa a operar com mais força a ansiedade depressiva. “A base da ansiedade depressiva é a síntese entre os impulsos destrutivos e os sentimentos de amor em relação a um único objeto”. A posição depressiva é um processo que se abre caminho entre os três e seis meses. Neste período, tanto a mãe como o pai,[35] começam a ser percebidos como pessoas inteiras. Numa situação de desenvolvimento normal, caracterizado por uma relação boa com os objetos externos (mãe, pai e outras pessoas do meio), o bebê experimenta uma diminuição da ansiedade persecutória e um crescimento da ansiedade depressiva. Ao perceber que agrediu e danificou uma pessoa amada, o bebê passa por sentimentos depressivos. O sentimento de culpa decorrente “leva a uma necessidade (…) de preservar, consertar ou ressuscitar os objetos amados: a tendência a fazer reparação”.[36] A culpa portanto “está indissoluvelmente vinculada à ansiedade (mais especificamente, a uma forma específica de ansiedade: a depressiva); conduz à tendência reparatória e surge durante os primeiros meses de vida, em conexão com os estágios mais arcaicos do superego.

A equação simbólica e os símbolos

O processo de formação de símbolos, na perspectiva kleiniana, está relacionado à maneira como o ego articula as relações de objeto na posição depressiva e na posição esquizoparanoide. Hanna Segal frisa que as primeiras relações de objeto do bebê (como vimos marcadas pela preponderância da posição esquizoparanoide), por serem marcadas pelo processo de cisão , tendem à “união total com o objeto ideal [idealizado] e aniquilação total do objeto mau assim como das partes más do eu (self)”.[38] Nesta fase predomina o pensamento onipotente, fazendo com que o sentimento de realidade seja precário e intermitente. A ausência do objeto bom não é tolerada e é imediatamente percebida como uma agressão e revertida num sentimento de perseguição. Nesta posição, a formação de símbolos é caracterizada pela identificação do símbolo com o objeto que o origina, a partir da dificuldade do ego de se diferenciar do próprio objeto. Segal define este processo com equação simbólica, que é a base do pensamento concreto do esquizofrênico. No caso de um objeto mau, a equação simbólica se processa mediante o processo de aniquilação, ou seja numa retirada total de interesse do próprio objeto, tornando inviável a simbolização (como no caso da criança autista, por exemplo).

Na medida em que o objeto externo começa a ser percebido com um objeto total, torna-se possível uma diferenciação entre o ego e o próprio objeto e prevalece um pensamento mais realista. Esta situação provoca um sentimento de ansiedade diante da ambivalência do objeto, caracterizada por um sentimento de culpa. O objeto é percebido como sendo bom, sob certos aspectos, e mau sob outros. O ego percebe então que os ataques dirigidos ao objeto mau são, ao mesmo tempo, ataques dirigidos ao objeto bom. Daí o medo que o objeto bom seja danificado ou destruído e o conseqüente sentimento de culpa. Prevalecem nesta fase os processos de introjeção, numa tentativa de reter o objeto dentro de si com o intuito de repará-lo e restaurá-lo. Se o processo se desenvolve de forma favorável, através de progressivos ensaios envolvendo a perda e a recuperação do objeto, o objeto bom se estabelece com segurança dentro do ego. O fato do ego começar a se preocupar em preservar o objeto de sua agressão e possessividade implica numa inibição do movimento pulsional tanto em sua vertente agressiva como libidinal. Percebemos neste sentido que há uma antecipação do mecanismo de recalque, a partir de uma atuação precoce do superego.[39] É esta situação que torna possível o processo de simbolização. “O símbolo é necessário para deslocar a agressividade [e a possessividade] do objeto original e, desta forma, diminuir a culpa e o medo da perda”.[40] Interiormente o símbolo atua como um meio para restaurar e recapturar o objeto original, embora nunca seja completamente assimilado ao objeto original, pois é percebido como uma criação do ego. Neste sentido, a retirada de investimento libidinal no objeto original possibilita o seu redirecionamento para a simbolização sublimatória.[41] O símbolo passa a ser sentido também como um objeto em si mesmo, com qualidades próprias, que podem ser utilizadas sem que haja confusão com o objeto original. Se na equação simbólica o símbolo substitutivo é percebido pelo ego como sendo o objeto original, o símbolo propriamente dito é sentido como algo que representa o objeto e, neste sentido, não é usado para negar a perda, mas para superá-la.

A teoria sobre o pensar de Bion

No ensaio intitulado “Uma teoria sobre o pensar”,[42] Bion aborda a gênese do pensamento e de sua expressão através da linguagem, retomando os elementos fundamentas da teoria kleiniana e ampliando-os numa nova perspectiva. Trata-se de temas que estão presentes de forma marcante em sua clínica, cujo objetivo no fundo é exatamente possibilitar no paciente a capacidade de pensar.

Os pensamentos, na perspectiva bioniana, são marcados por uma história evolutiva que envolve a pré-concepção, a concepção, o pensamento e, finalmente, o conceito. Os ingredientes da química do pensamento são os dados sensoriais, captados no processo de realização (percepção sensorial da realidade), as emoções a elas relacionadas e a tolerância à frustração. A combinação desses elementos determina a capacidade de pensar.

A pré-concepção é associada pelo próprio Bion ao conceito kantiano de “pensamento vazio”, trata-se de uma disposição inata ao ser humano de ser permeável às impressões sensoriais. Quando esta disposição inata se une a uma “realização”, o resultado é uma concepção. O que caracteriza a concepção é o fato dela estar invariavelmente associada a uma experiência emocional de satisfação. Para que o processo seja bem-sucedido, tanto na formação da concepção, como do pensamento, é necessário um elemento fundamental, a tolerância à frustração. Saber tolerar a ausência do objeto desejado, sua ambiguidade e a não-realização do desejo, imposta pela realidade, é a condição fundamental para o pensar, caso contrário, teremos funcionamentos psíquicos de tipo psicótico, associados à incapacidade de pensar.

“Se a intolerância à frustração predominar, tomam-se medidas para fugir da realização, através de ataques destrutivos. (…) À medida que a pré-concepção e a realização se unem, formam-se concepções (…) mas estas são tratadas como se fossem indistinguíveis de coisas em si, sendo evacuadas (…). A predominância da identificação projetiva faz com que se confunda a distinção entre self e objeto externo. Tal fato contribui para a falta de qualquer percepção de dualidade, já que essa percepção está condicionada ao reconhecimento da diferenciação entre sujeito e objeto. (…) As concepções, ou seja o resultado de uma união entre uma pré-concepção e sua realização, repetem, sob forma mais complexa a história da pré-concepção. A concepção não encontra necessariamente uma realização que dela se aproxime o bastante de modo a satisfazê-la. Caso se tolere a frustração, a união da concepção com as ‘realizações’, sejam elas negativas ou positivas, dá início a procedimentos necessários a aprender com a experiência.” [43]

Nos casos em que a intolerância à frustração não se caracteriza como uma fuga da realidade — com o conseqüente povoamento da mente de objeto bizarros que não conseguem se tornar concepções —, mas como uma intensa resistência que torna insuportável a aceitação do princípio da realidade, a personalidade desenvolve a onipotência. Neste caso, não há “qualquer atividade psíquica para discriminar o verdadeiro do falso, por uma afirmação ditatorial que uma coisa é moralmente certa e outra errada”.[44]

Para que surja o pensamento é portanto necessário que a função alfa crie a possibilidade de diferenciar os elementos conscientes dos inconscientes, num processo que permite a superação do despedaçamento dos objetos internos.

“O malogro no estabelecimento de uma relação mãe/bebê em que seja possível a identificação projetiva normal impedirá (…) o desenvolvimento de uma função alfa e, conseqüentemente, a diferenciação entre elementos conscientes e inconscientes.”[47]

Bion alude aqui a uma impossibilidade para a psique de estabelecer uma interface entre o inconsciente e a consciência, pois a consciência “depende da função alfa”. Para que o self possa ser consciente de si mesmo é necessário que a consciência não seja invadida pelos elementos inconscientes. Quando a invasão ocorre, o sujeito nem está acordado e nem está dormindo, pois há uma radical incapacidade de significar os elementos inconscientes, de torná-los pensamentos (oníricos), através dos quais o desejo possa ser significado. O mundo interno torna-se portanto um lugar povoado de objetos bizarros (elementos beta), mistura de percepções sensoriais e emocionais, que não podem ser significados e que, portanto, devem ser evacuados e atacados.

Os conceitos representam para Bion uma fase sucessiva, em que o pensamento e as concepções, elaborados a partir da consciência [cognitiva] privada são socializados por meio da abstração, dando vida ao processo de comunicação mediante uso de sinais.

“A função dos elementos de comunicação (palavras e signos) é veicular (…) que determinados fenômenos estão constantemente conjugados nos moldes da relação recíproca que entre eles vigora. Função importante da comunicação é a obtenção da correlação.” (Id. Ibid.)

A correlação é um elemento importante para a consciência do indivíduo, pois, se for confirmada pelo senso comum, faz com que o sujeito sinta-se corroborado pela verdade e por ela aliviado.

´Para concluir gostaria de frisar que, para Bion, o processo de pensar, não é linear e sim circular. Uma vez que algo foi significado e conceitualizado, o processo de pensar não pode ser interrompido. É necessário mais uma vez poder tolerar a frustração, enfrentar a turbulência emocional que nos traz o encontro com o vazio, com o mistério do Outro, com a impossibilidade de prender a realidade nos nossos conceitos. Para que o processo do pensar possa se dar, é necessário suspender a memória (os pensamentos já pensados, os conhecimentos adquiridos) e o desejo (de poder estabelecer um controle onipotente sobre a realidade).

Em busca do fundamento

A Psicanálise, como vimos, está preocupada em rastrear a maneira como a função simbolizadora, que subjaz à linguagem e ao pensamento, se origina no psiquismo humano. Tanto na visão freudiana, como na visão kleiniana e bioniana, o encontro com o objeto e a relação decorrente, embora tenham significações diferentes nos diferentes momentos do desenvolvimento humano e, para cada autor, em momentos diferentes do próprio desenvolvimento, representam um desafio para a tendência narcísica do ego. Esta tendência está ligada em última análise à pulsão de morte, que impele o psiquismo ao fechamento em si próprio, manifestando-se sob forma de agressividade e tendência à autodestruição.[48]

Por outro lado, o ser humano, desde os primeiros momentos de sua existência, depende radicalmente do outro e isto nos leva a analisar a outra vertente do dualismo pulsional É a pulsão de vida, regida pelo princípio do prazer, que faz com que o psiquismo, buscando satisfazer suas necessidades, se encaminhe em direção do objeto externo, visando a realização do desejo. Não há nada de “altruísta” nesta tendência, mas é este movimento que favorece o encontro efetivo com o outro, com a realidade externa dos objetos e o estabelecimento de relações de objeto. Preso no movimento dialético destes dois princípios, o ser humano elabora, a partir do próprio inconsciente, uma instância interna, o superego,[49] que confronta as exigências narcísicas do id e leva o ego a estabelecer limites ao desejo inconsciente, através do processo de recalque, exigido pelo princípio de realidade.

Se para Freud e para Klein esta estrutura é invariavelmente ligada ao complexo de Édipo, embora em momentos distintos do desenvolvimento humano, lá pelos 4/5 anos em Freud e logo nos primeiros meses de vida para Klein, para Bion é uma estrutura que parece ser mais originária ainda, pois ele a situa no âmago do próprio funcionamento psíquico originário destinado a estabelecer um contato, uma ponte entre a realidade psíquica interna e a realidade externa.[50] Esta parece ser também a tese de Winnicott, que também vê o emergir do sujeito da não-integração originária para a integração no espaço relacional que se constitui entre a mãe e o bebê, espaço que ele chamará zona da ilusão. O pensar também para ele se situa neste movimento.

“O movimento para a frente [sic] no desenvolvimento emocional do indivíduo se dá pelo distanciamento de um estado desorganizado e no sentido da integração, do caos para a compreensão, da ignorância para o conhecimento e o poder de predizer, da dependência para a independência. O pensar é um dos aspectos do processo integrador, indo à frente da participação plena”[51]

Para este autor, “o pensar vem a existir como aspecto da imaginação criativa, ele serve à sobrevivência da experiência de onipotência e é um ingrediente da integração”.[52] O desenvolvimento do pensamento passa pelo catalogar, o categorizar e o comparar e está estritamente vinculado à capacidade de criar, que surge — mediada por um ambiente “suficientemente bom” em que o bebê se sinta cuidado — através de uma progressiva passagem do fechamento no eu para a experiência do não-eu, num movimento em que a realidade externa passa a existir como externa, mas ao mesmo tempo como uma criação interna do eu. O encontro com o real é algo que é ao mesmo tempo fruto do “fantasiar”, da capacidade de sonhar, como da desilusão, ou seja do processo através do qual a mãe vai gradativamente introduzindo a realidade externa, com suas exigências, para o bebê. Mais uma vez, isto supõe que o bebê possa ter acesso não apenas ao mundo externo, mas também ao seu mundo interno, através da capacidade de “sonhar” o seu desejo inconsciente e significá-lo, traduzindo-o num gesto criativo.[53]

Podemos dizer que, para a Psicanálise, sem o encontro com o outro, falta ao ser humano qualquer referência, ele fica preso num esquema libidinal cego, numa postura psicótica que o leva a negar não apenas a realidade externa como algo que existe em si, mas também a própria realidade interna, que se torna impensável. Admitindo portanto que o encontro com o outro é necessário para um desenvolvimento “normal” do psiquismo e da capacidade de pensar, resta a saber se o que o ego encontra é de fato o outro, em sua essência, ou se é apenas uma imagem interna do outro, projetada sobre a realidade, como a Psicanálise parece sugerir. Podemos ainda nos perguntar se esta imagem se modifica na medida em que passa a interagir com a imagem que o outro tem de si, ou, se o “outro” permanece preso em sua subjetividade, em sua opacidade existencial, fazendo com que o objeto do conhecimento (e não apenas o objeto interno), seja uma pura criação psíquica do sujeito pensante. Estamos com isso transitando do contexto epistemológico da Psicanálise para questões de caráter filosófico, abordadas pela Gnosiologia ou Teoria do Conhecimento. Estas questões têm de fato alguma importância para a visão psicanalítica do psiquismo humano? Evidentemente Freud não considerou o problema, mesmo porque seu interesse pela Filosofia era limitado e, ainda mais, ele achava que a Filosofia nada poderia acrescentar à visão psicanalítica, por se tratar de abordagens hermenêuticas diferentes.[54] Acredito contudo que a postura freudiana se justifique mais por razões contingentes do que objetivas.

A questão que quero levantar porém é mais delicada. A visão filosófica dominante tem alguma influência sobre os processos psíquicos, ou estes são universais e necessários, independentes do contexto cultural em que operam? Em particular, restringindo a questão ao tema que estamos examinando, me pergunto se o fato do ser humano se deparar com a opacidade ontológica do objeto, não estaria gerando uma fonte adicional de angústia, uma barreira existencial, que afetaria suas relações de objeto. Alguém poderia objetar que, para o bebê, esta é uma questão irrelevante. Sem dúvida, mas não o é para o contexto em que o bebê vive e com o qual interage. Isto cria um habitat, um húmus, um clima emocional e não apenas uma postura racional, com o qual o bebê entra em contato e que pode influenciar a maneira como este passa a se relacionar com seus objetos internos. É por esta razão que gostaria de me deter um pouco sobre esta problemática, numa tentativa que espero não seja inútil, de estabelecer uma conexão entre o contexto cultural atual e as questões sobre as quais estamos refletindo.

O impasse filosófico

Para perceber o impasse filosófico que caracteriza o nosso tempo me orientarei pelo trabalho de Domingues, [55] que faz uma síntese interessante sobre a questão. O autor parte da constatação que “as ciências humanas acabaram por perder seu fundamento, quando se descobrem cada vez mais dependentes do sujeito, o qual não obstante não se revela capaz de erigir-se como seu ponto de ancoragem último”.[56] Para entender em que sentido esta questão afeta a maneira de pensar do homem contemporâneo, vamos acompanhar a análise que o autor faz das três estratégias discursivas que subjazem à fundamentação do conhecimento na modernidade.

A primeira estratégia discursiva apontada é a essencialista, que tem raízes profundas na antiguidade clássica. Nesta perspectiva, a opacidade ontológica do ser se manifesta na tensão entre o fenômeno (o que aparece) e de sua essência (o ser em si). A tarefa do conhecimento, nesta perspectiva, é percorrer o caminho que nos leva das aparências às essências, mediante o processo de abstração, com o intuito de buscar o fundamento das coisas. Isto supõe naturalmente que a mente humana tenha condições de vencer a opacidade do ser e encontrar o fundamento do objeto e do próprio conhecimento. No âmbito desta teoria a palavra (e qualquer outra representação simbólica) mantém uma função de referência, pois nos remete à coisa em si. O ser pode assim ser analisado, aspectos do real podem ser isolados, numa espécie de autópsia do objeto, e articulados numa proposição, mediante a identificação de atributos (acidentes), que pertencem a um suporte originário, a substância. Respeitados os ditames da lógica, nesta perspectiva, o discurso nos leva necessariamente à realidade do objeto em si.

Descartes opera uma revolução copernicana na filosofia com uma inversão metafísica, em que o foco passa da coisa ao sujeito. “Embora reconheça que a ordem das essências habita o mundo das coisas, Descartes (…) volta as costas ao mundo para recolher-se no interior do sujeito e nele instalar a archê do ser e do conhecer, a substância como ‘essência pensada’ ou ‘ideia’”.[57] O problema que surge é evidente, principalmente quando o ser passa a ser considerado na perspectiva do sujeito, como ser pensado. Até que ponto o lógos se vincula com a essência do objeto em suas representações? Na perspectiva essencialista, o que garante o vínculo entre ser revelado e ser verdadeiro é a intuição imediata do ser. Trata-se de uma percepção espiritual, cujo critério absoluto de certeza é a evidência, que opera de forma análoga à percepção sensível, embora esta atue no plano do fenômeno e a outra no plano da essência. Contudo é fácil perceber que nem sempre a intuição nos socorre, nos brindando o dom da evidência. Às vezes para descobrir a verdade devemos percorrer um longo itinerário dedutivo e, nem sempre, depois desse cansativo caminhar, encontramos a intuição a socorrer-nos com sua luz. Na opinião de Domingues, foi este o caminho pelo qual se chegou progressivamente á redução da coisa á idéia. Pois encerrado em si mesmo o pensamento não precisa mais de provas. Como dizia Hegel, “quanto aos fatos, danem-se os fatos”, a intuição é substituída pelo discurso, como bem observava Schopenhauer. Desde que o discurso seja coerente, ele é “verdadeiro”.

Na perspectiva discursiva fenomenista (eu preferiria positivista), conhecer é descrever, sem que o sujeito possa escapar da opacidade ontológica do ser, que se torna impenetrável. Único critério de certeza é a percepção, através da experiência. Para Hume não há possibilidade de estabelecer uma fundação do conhecimento, pois não é possível estabelecer um vínculo de necessidade entre as diferentes percepções. O resultado é uma atomização da realidade, sem que haja possibilidades de remontar a um denominador comum. Para ele, tanto a intuição, como a dedução e a indução são inviáveis, pois somente existiria percepção sensível, sem possibilidade alguma de conexão necessária e sem possibilidade de remontar do fenômeno à ideia universal e necessária e, em última análise, á essência do objeto conhecido. S. Mill seguiu outro caminho, tentando fundar o conhecimento na indução, no método da experimentação científica (método da concordância, da diferença, da concordância e da diferença combinadas, dos resíduos, das variações concomitantes). Mas para ele também o salto do particular ao universal fica questionável (como comprovou mais tarde a teoria da relatividade), ficando assim impossível garantir uma fundamentação metafísica do conhecimento.

Na perspectiva discursiva histórica, o projeto de fundação do conhecimento chega ao seu fracasso definitivo. O desafio ao qual esta perspectiva procura responder é “reunir na unidade do discurso o ser e o devir”.[58] Na tentativa de superar a perspectiva essencialista – que, ao querer capturar a essência do ser, o imobiliza, sacrificando o devir ao ser – e a perspectiva positivista – que sacrifica o devir ao fenômeno -, a perspectiva histórica procura capturar o ser no seu dinamismo, como devir, como ser histórico, in fieri. As tentativas vão da praxe marxista, à filosofia da vida de Dilthey, à filosofia da vontade de Nietzsche. O ser-devir passa a ser enquadrado na categoria do tempo. No plano do conhecimento, o ser-devir introduz um “coeficiente de incerteza irremediável”, por causa da impossibilidade de ancorar o ser num fundamento. A fluidez do ser-devir compromete definitivamente a tentativa de fundamentar o conhecimento, abrindo caminho para o relativismo. “Sem o conforto da substância e sem a segurança do fundamento”, o que fica definitivamente comprometido é o projeto de um saber absoluto, o saber total da realidade total.

“No seu lugar ficou um conhecimento (…) disposto a se pôr à escuta do ser e perscrutar o seu significado existencial. E desde então a verdade que já fora alétheia (desvelamento), revelatio (revelação) e veritas (testemunho ocular), se descobre como práxis e instala sua morada na história.”[59]

A verdade torna-se assim verificação ou seja verdade em ação (veritas=verus+facere). Diante desta involução da Teoria do Conhecimento, citando um filósofo cínico antigo, o autor conclui: “O ser humano não tem nem ponto de partida, nem ponto de chegada; seu vôo todavia é soberbo”.[60]

Na floresta dos símbolos

Até aqui tentamos ver como na Filosofia se abre caminho uma crise, que passa a questionar o lógos, a tentativa do ser humano de compreender e dizer o ser. Esta crise se manifesta de maneira ainda mais profunda e crítica no movimento chamado genericamente de pós-modernismo.[61] O valor do debate pós-moderno está no esforço de tematizar a própria crise. O que importa aqui não é a consistência teórica de suas conclusões, mas o fato deste debate existir e de encontrar expressões em várias áreas da cultura contemporânea. Foucault identifica a raiz dessa crise na “pura diferença”, ou seja na impossibilidade de um discurso único, na perspectiva do que Lyotard chama de metanarrativas (princípios discursivos universais). Para Foucault, “o que é impossível não é a proximidade das coisas relacionadas, mas o próprio lugar em que essa proximidade seria possível”.[62] Estaríamos portanto diante de uma radical impossibilidade de pensar a totalidade.[63] Neste sentido, Lyotard, propõe um afastamento do “nós”, ou seja de todo mito legitimador a serviço de culturas opressoras e apropriadoras., para acolher as diversidades culturais, renunciando definitivamente à tentação de recorrer a princípios universais.[64]

Para Jameson, a cultura tornou-se uma mercadoria através da indústria cultural. Ele vê a cultura pós-moderna em suas diferentes tentativas de simbolização da realidade como uma nova forma de realismo e, ao mesmo tempo, como ”variadas tentativas de nos distrair e nos afastar dessa realidade ou de disfarçar as suas contradições e de resolvê-las sob a capa de várias mistificações formais”.[65] Como Jameson, Baudrillard reconhece a estrita ligação que existe entre as representações culturais e o mundo econômico e vê o multiplicar-se das mercadorias culturais, um multiplicar-se de “signos”, que também passam a funcionar como mercadorias. Assim materializados os signos (ou significantes) perdem a sua força, sua relação com um significado, sua capacidade de apontar para algo. “O significado e o referente foram abolidos para o único proveito do jogo de significantes, de uma formalização generalizada na qual o código já não se refere a nenhuma ‘realidade’ subjetiva ou objetiva, mas à sua própria lógica”.[66] Teríamos portanto um esvaziamento do significante (e portanto do símbolo), que passa a ser capturado unicamente em seu aspecto formal, como invólucro. O símbolo fica assim esvaziado de conteúdo, de sua força de se referir a algo.

Um outro aspecto importante, ao qual Baudrillard se refere é a questão da cultura de massa.

“As massas funcionam como um gigantesco buraco negro que, inexoravelmente, modula, amolda e distorce toda a energia e radiação luminosa que dele se aproxima: uma esfera implosiva, em que a curvatura de espaços se acelera, em que todas as dimensões se recurvam sobre si mesmas e ‘envolvem’ ao ponto da aniquilação, deixando em seu rastro apenas uma esfera de potencial engolfamento.”[67]

Nas grandes cidades “o urbano[,] é ao mesmo tempo um espaço neutralizado, homogeneizado, o da indiferença e da segregação crescente dos guetos urbanos, da relegação dos bairros, das raças, de certas faixas etárias: o espaço despedaçado dos signos distintivos”.[68] Emerge portanto um cenário de anonimato e de solidão, onde o ser torna-se incapaz de se expressar. Teos em todas essas formulações um pré-anúncio daquilo que Bauman definiu como mundo líquido.

O poder dos símbolos

Como dizíamos no início deste ensaio, a importância do símbolo no processo de comunicação é evidente a partir do momento em que toda comunicação, tanto interna como externa se dá através de símbolos. Se a Psicanálise nos ajuda a perceber como se originam os símbolos que estão por trás da comunicação, a partir do processo de recalque, a Teoria da Comunicação procura estudar como, no processo de comunicação, a mensagem transita do emissor ao receptor, através de um processo de codificação que envolve significantes e significados.

Neste sentido, gostaria de sintetizar brevemente algumas considerações, que nos ajudam a entender outro aspecto importante do símbolo, seu poder. Grosso modo, poderíamos sintetizar as diferentes posições assumidas pelos teóricos da comunicação em três etapas.[69] A primeira foi marcada pelas teorias da Escola de Frankfurt, que apontava para o caráter ideológico da comunicação. A linguagem, nesta perspectiva, seria marcada pelo locus social que a origina. Num contexto social caracterizado pelos conflitos de classe, acontece uma espécie de comunicação subliminar, num jogo entre o que é revelado e o que é escondido. Ao comunicar uma mensagem, o emissor na realidade visa defender determinados interesses, sem maiores preocupações com o significado real. Nesta perspectiva, o emissor é percebido como o ator principal, exercendo um forte controle sobre significantes e significados. Outros autores, entre eles Umberto Eco, preferem focalizar a questão sob uma ótica diferente, mostrando que quem faz o processo de comunicação acontecer não é apenas o emissor, no momento em que emite uma mensagem codificada, mas também o receptor, no momento em que está decodificando a mesma mensagem, de acordo com seu locus social e cultural e, numa perspectiva psicanalítica, sob a perspectiva de seus próprios processos psíquicos. Na terceira abordagem, a mensagem, teria sido a tal ponto coisificada, que, ao se tornar mercadoria, objeto de troca da indústria cultural, passaria a ter vida própria, respondendo a leis próprias, um verdadeiro Frankestein tecnológico, para usar uma expressão de Lucién Sfez.[70] O símbolo teria assim passado a ter vida própria, dominando o seu criador, numa espécie de psicose coletiva, em que os sujeitos passariam a ser dominados pelos objetos por eles criados.

Não é difícil perceber como udo issotenha uma relação profunda com as queixas que os pacientes apresentam hoje ao buscar a análise. Todos nós nos sentimos submetidos a um verdadeiro bombardeio de informações, de símbolos vazios que nos afastam dos nossos próprios desejos, convidando-nos a viver os desejos do poderoso Frankestein, num processo de adequação a um padrão anônimo. Desta forma, toda manhã, acordamos, lemos o mesmo jornal, comentamos os mesmos assuntos, desejamos os mesmos produtos, amamos o mesmo tipo de mulher ou de homem, nos indignamos com os mesmos fatos e acabamos entrando numa fila para ir ao mesmo cinema ou para comprar o mesmo produto. Ao despedaçamento interno originário, soma-se assim o despedaçamento da realidade que se perde numa intricada floresta de símbolos vazios e num intricado tuitar de  fake news.

 Conclusão

Quais seriam as conseqüências internas deste esvaziamento do sentido e do próprio desejo, decorrente do despedaçamento e do esvaziamento do símbolo que o representava? Que desafio isso traz para a análise contemporânea? As reações naturalmente variam de indivíduo para indivíduo, de acordo com suas predisposições internas. Acredito no entanto que, as estruturas de falso self, às quais alude Winnicott, sejam fortemente favorecidas.[71] Neste sentido, o penoso caminhar do homem em busca de uma certeza que alivie a sua angústia diante da possibilidade de trocar o mundo por suas ilusões, nos mostra um panorama complexo, deixando-o à mercê das falsas certezas dos messias de turno.

As diferentes posturas filosóficas diante da origem do discurso não estão apenas cristalizadas em determinadas teorias, em períodos históricos distintos, mas num contexto cultural que continua atuando, de alguma forma, no homem contemporâneo que frequenta o consultório do analista. As diferentes weltanschauung (visões de mundo) convivem na realidade do dia-a-dia, misturadas, confusas, gerando conflitos entre as pessoas, os grupos e dentro dos próprios indivíduos.

Como disse anteriormente, estas visões de mundo não existem no estado puro. Cada ser humano as vive de forma alternada, flutuando de uma para a outra, embora tenda a se fixar preponderantemente numa delas, influenciado pelo contexto em que vive. A maneira como o ambiente interage com as projeções e introjeções do sujeito, acaba criando uma modificação de seus objetos internos e de suas simbolizações, de acordo com os processos acima descritos a partir da visão psicanalítica. Tudo isso é importante para o paciente, mas também para o analista, que, por sua vez, é influenciado por essas posturas “filosóficas” e existenciaisque tendem a prejudicar sua escuta neutra e abstinente. Identificá-las será importante para perceber os próprios processos internos, que atuam na transferência e nas armadilhas da contratransferência. Identificá-las também poderá ajudar a vencer as resistências à análise por parte do paciente e os eventuais impasses. Por outro lado, as críticas feitas por Baudrillard e Foucault ao discurso psicanalítico podem ajudar o psicanalista a ter uma postura menos narcisista, sabendo que toda simbolização é expressão parcial de algo que nos excede e nos envolve e que toda interpretação é um tatear no escuro, um verso de um poema nunca acabado. Mais um motivo para uma clínica marcada pela capacidade de suspender a memória e o desejo, como sugeria Bion.

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Notas

[1] Cf. H. SEGAL, “Notas a respeito da formação de símbolos“ in A obra de Hanna Segal, Imago, Rio de Janeiro, 1982, pp. 77-98.

[2] Id., Ibid., p. 88.

[3] Sobre este tema sugiro a leitura do interessante livro de J. PARKER, Psychanalytic culture, Sage Publications, London, 1997.

[4] J. BAUDRILLARD, A troca simbólica e a morte, Loyola, São Paulo, 1996, pp. 281.

[5] Id., Ibid., pp. 281-282.

[6] Id., Ibid., pp. 282

[7] Id., Ibid., pp. 283.

[8] Id., Ibid., pp. 291.

[9] Id., Ibid., pp. 291.

[10] W. R. BION, “Turbulência emocional”, In Revista Brasileira Psicanalítica, 21 (121), 1987, p. 129.

[11] [11] J. BAUDRILLARD, Op. Cit., p. 292.

[12] M. FOUCAULT, A ordem do discurso, Loyola, São Paulo, 1996, p.10.

[13] J. BAUDRILLARD, Op. Cit., p.294.

[14] M. KLEIN, “Nosso mundo adulto e suas raízes na infância” in Inveja e gratidão e outros trabalhos, Imago, Rio de Janeiro, p.290.

[15] Cf. H. SEGAL, “Notas sobre a formação de símbolos” in in A obra de Hanna Segal, Imago, Rio de Janeiro, 1982, pp. 92-97.

[16] Id., Ibid., p. 92.

[17] Id., Ibid., p. 81.

[18]B. JOSEPH, “Relações de objeto na prática clínica” in Equilíbrio Psíquico e mudança psíquica, Imago, Rio de Janeiro, 1992, p. 205.

[19] Id., Ibid, p. 206.

[20] H. SEGAL, Introdução à obra de Melanie Klein, Imago, Rio de Janeiro, 1975, p. 37.

[21] No que diz respeito à bibliografia sobre este tema, remando ao artigo de minha autoria A pulsão de morte: Freud e Schopenhauer.

[22] Cf. M. KLEIN, “Sobre a teoria da ansiedade e da culpa” in Inveja e gratidão e quatro trabalhos, Imago, Rio de Janeiro, 1991, p. 50.

[23]M. KLEIN, “Notas sobre alguns mecanismos esquizóides” in Inveja e gratidão e quatro trabalhos, Imago, Rio de Janeiro, 1991, p. 24 .

[24] Cf. Id., Ibid., p. 24.

[25] Id., Ibid., p. 25. Neste sentido M. Klein retoma a posição de Freud para o qual a pulsão de morte é em parte projetada no objeto externo e em parte transformada em agressividade que se reflete em atitudes sádicas ou masoquistas.

[26] Id., Ibid., p. 27.

[27] M. KLEIN, “Sobre a teoria da ansiedade e da culpa” in Inveja e gratidão e quatro trabalhos, Imago, Rio de Janeiro, 1991, p. 53.

[28] “Os perigos externos são vivenciados à luz dos perigos internos, e são, portanto, intensificados; por outro lado, qualquer perigo que ameace a partir do exterior intensifica a perene situação de perigo interno” (Id.,Ibid., p. 53).

[29] M. KLEIN, “Notas sobre alguns mecanismos esquizóides” in Inveja e gratidão e quatro trabalhos, Imago, Rio de Janeiro, 1991, p. 29-30.

[30] Id., Ibid., p. 33.

[31] W. R. BION, “Desenvolvimento do pensamento esquizofrênico” in Estudos psicanalíticos revisados, Imago, Rio de Janeiro, 1994, p. 47-54.

[32] Id., Ibid., p. 25.

[33] M. KLEIN, “Sobre a teoria da ansiedade e da culpa” in Inveja e gratidão e quatro trabalhos, Imago, Rio de Janeiro, 1991, p. 53.

[34] Id., ibid., p. 56. Como já dissemos o bebê tem inicialmente uma percepção cindida do objeto externo.

[35] Por trás do seio bom e do seio mau, de acordo com M. Klein, a criança percebe também um pênis bom e um pênis mau, a maneira como isto acontece contudo me parece obscura.

[36] Id., ibid., p. 57.

[37] Id., ibid., p. 59. Mais uma vez constatamos que M. Klein se afasta da teoria freudiana clássica que vê a formação do superego vinculada à dissolução do complexo de Édipo, num estágio mais avançado do desenvolvimento humano (dos quatro aos seis anos).

[38] H. SEGAL, “Notas a respeito da formação de símbolos” in A obra de Hanna Segal, Imago, Rio de Janeiro, 1982, p. 82.

[39] “No meu ponto de vista, a formação dos símbolos na posição depressiva exige alguma inibição dos alvos instintivos diretos em relação ao objeto original e assim os símbolos se tornam disponíveis para a sublimação” (Id., ibid., p. 86).

[40] Id., ibid., p. 85.

[41] “Os símbolos, criados internamente, podem então ser reprojetados no mundo externo, dotando-os de significado simbólico” (Id., ibid., p. 86).

[42] W. R. BION, “Uma teoria sobre o pensar” In Estudos psicanalíticos revisados, Rio de Janeiro, Imago, 1994, p. 127-137.

[43] Id., Ibid., p. 130-131.

[44] Id., Ibid., p. 131.

[45] Id., Ibid., p. 132.

[46] Bion insiste para que a função alfa não seja considerada como um conceito fechado destinado a comunicar significações prematuramente concebidas (aliás veremos que para ele nenhum conceito é fechado), mas como algo destituído de sentido, uma espécie de variável matemática, cujo objetivo é introduzir uma incógnita na investigação psicanalítica (CF. W. R. BION, Aprender com a experiência, Rio de Janeiro, Imago, 1991, p. 19-20). Na definição que ele mesmo classifica como a mais abrangente, a função alfa é considerada como algo que atua sobre a percepção da experiência emocional possibilitando o “aprender com a experiência”. Os elementos alfa se originam de impressões advindas da experiência, que, armazenadas, são utilizadas nos pensamentos oníricos e no pensar inconsciente da vigília. Ela é exigida para o pensar consciente, para o raciocínio, bem como para “relegar o pensar ao inconsciente”, quando for necessário aliviar a consciência da sobrecarga dos pensamentos (Cf. Id., Ibid., p. 28)

[47] Id., Ibid., p. 133.

[48] Como observa Joseph, Klein vê o narcisismo não como um estágio que precede as relações de objeto, mas como um estágio no qual o indivíduo se retira (B. JOSEPH, Op. Cit., p. 207). O conceito de pulsão de morte não foi aceito por Winnicott.

[49] Vale a pena frisar que o superego, embora tenha alguma referência às figuras paternas (pais físicos ou substitutos) externas, é uma imagem introjetada que não coincide com a realidade. Ela é introjetada da forma como são vividos os impulsos da criança em relação aos pais ou substitutos (cf. B. JOSEPH, Op. Cit., p.206).

[50] Esta é também a leitura de Tales Ab´Saber que, ao falar sobre a falha na constituição da possibilidade de sonhar e portanto de pensar, observa: “O que há de particular nesta noção de não constituição do espaço onírico em Bion, o que quer dizer não constituição de desdobramentos simbólicos avançados para a alma, é que, vindo da tradição kleiniana de pesquisa centrada sobre o que poderia ser pensado como angústia de defesas fundamentais, ele vai relacionar a vida ou a morte do sonhar não à estrutura advinda desde o Édipo, como pensaria Freud à luz da regressão narcísica, (…) mas vai pensar a não constituição do reprimido e do discurso transformado do desejo inconsciente que é o sonho, desde a origem, como parte dos procedimentos psíquicos dirigidos a anular o contato com a realidade e com a realidade psíquica” (Cf. T. AB’SABER, O sonhar restaurado, São Paulo, Tese de doutoramento apresentada no IPUSP, p.51).

[51] D. W. Winnicott, *Uma nova luz sobre o pensar infantil” in Explorações psicanalíticas, Porto Alegre, Artes Médicas, 1994, p.122-123.

[52] Id., Ibid, p. 121.

[53] Não podemos aqui aprofundar a importância dos objetos transicionais e do brincar neste processo de “aprendizado” da criança para o pensar.

[54] Sobre a polêmica de Freud com a filosofia cf. o meu artigo Pulsão de morte: Freud e Schopenhauer, pp. 3 e 12.

[55] I. DOMINGUES, O grau zero do conhecimento, Edições Loyola, São Paulo, 1991.

[56]Id., Ibid., p. 364.

[57] Id., Ibid., p. 368.

[58] Id., Ibid., p. 375.

[59] Id., Ibid., p. 379.

[60] Id., Ibid., p. 379.

[61] Para uma discussão crítica do conceito de pós-modernismo e sua idoneidade cf. S. CONNOR, Cultura pós-moderna, 3a Ed., Loyola, São Paulo, 1993, p. 11-26.

[62] M. FOUCAULT, The order of tings, Tavistocvk Press, New York, 1970, p. XV, citado em S. CONNOR, Op. Cit., p. 16.

[63] Não é sem ironia que Connor constata: “Notável é precisamente o grau de consenso no discurso pós-moderno quanto ao fato de já não haver possibilidade de consenso” (S. CONNOR, Op. Cit., p. 17). Com isto, o objetivo é mostrar que, embora seja possível questionar os conteúdos da teoria pós-moderna, não o é possível questioná-la em sua função discursiva, como debate.

[64] J. LYOTARD, Le postmoderne expliqué aux enfants, pp. 43-64, citado em S. CONNOR, Op. Cit., p. 37

[65] Citado em Id., Ibid., p.46.

[66] J. BAUDRILLARD, The mirror of production, Telos Press, 1975, p. 127, citado em S. CONNOR, Op. Cit., p. 49.

[67] J. BAUDRILLARD, In the shadow of the silent majorities…, Semiotext(e), 1983, p. 9, citado em S. CONNOR, Op. Cit., p. 55.

[68] J. BAUDRILLARD, Op., Cit., pp. 100.

[69] Sobre este tema cf. L. SFEZ, Crítica da comunicação, Loyola, São Paulo, 1996 e A. & M. MATTELART, História das teorias da comunicação, Loyola, São Paulo, 1999.

[70] L. SFEZ, Crítica da comunicação, São Paulo, Ed. Loyola, 1997.

[71] Sobre o tema cf. também G. SAFRA, A estética do self, São Paulo, Unimarco Editora, 1999 e o capítulo “Rumo a uma clínica do self” In R. GIROLA, A psicanálise cura?, São Paulo, Dissertação de Pós-graduação em Teoria Psicanalítica apresentada na Universidade S. Marcos, 2002.

[72] Talvez, neste sentido, possamos fazer um paralelo com o “signo” mercadoria ao qual alude Baudrillard.

[73] É possível de alguma forma perceber esta estrutura narcísica no super-homem nietzschiano e nas próprias críticas feitas à teoria pós-moderna. “O que é peculiar à teoria pós-moderna (…) é o desejo de projetar e de produzir aquilo que não pode ser apreendido nem dominado pela representação ou pelo pensamento conceitual, o desejo que foi identificado por Jean-François Lyotard como o impulso para o sublime” (S. CONNOR, Op. Cit., p. 24).

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