Já temos no Brasil milhares de casos de bebês nascidos com microcefalia. A possibilidade que a doença se espalhe e assuma proporções bem maiores infelizmente ainda existe. No entanto, o que sem dúvida já assumiu proporções bem mais sérias é outro tipo de microcefalia, que poderíamos chamar de microcefalia psíquica.
Em seu livro O sujeito na contemporaneidade, o psicanalista Joel Birman, um dos maiores e mais respeitados pensadores da psicanálise no Brasil, analisa com profundidade as características do mal-estar da contemporaneidade (que, aliás, é o título de outro livro dele), parafraseando o famoso texto de Freud, escrito em 1927, O mal-estar da civilização.
Para Birman, o homem contemporâneo é chamado a lidar com um angustiante sentimento de “excesso”, por ele viver uma relação mudada com as dimensões psíquicas do tempo e do espaço, em que a dimensão do tempo sucumbe à uma percepção da preponderância do espaço. Talvez o leitor leigo estranhe essa análise, mas se ele for olhar para dentro de si, creio que encontrará um eco muito claro desse fenômeno na sensação de que o tempo se tornou curto, instável e pouco administrável, enquanto o aqui e agora fica cada vez mais marcado pela sensação de um “espaço” pesado, achatado, aprisionante.
Birman descreve com maestria os caminhos de fuga que o psiquismo do homem contemporâneo tem à sua disposição para tentar aliviar a angústia. Encontramos na sua análise toda uma gama de sintomas que representam de forma muito variada o que eu resumiria em duas possíveis rotas de fuga, uma para fora, outra para dentro de si.
A primeira vai desde a captura narcísica, o pânico, para desembocar em muitos casos na depressão profunda. Do outro lado temos diferentes formas de resposta em busca de uma fuga da dor através de um estado de passagem para o ato que desemboca no uso das drogas (legais e ilegais), nas adições de todos os tipos. A fixação no corpo, a fuga para a ação e a intensidade, marcam todos esses processos que estão à base da sintomatologia psiquiátrica atual.
Mas qual seria a relação da microcefalia com tudo isso? Para Birman, a angustiante sensação de excesso é marcada pela dificuldade de simbolizar, de representar, de projetar o agora na dimensão temporal que envolve passado, presente e futuro, garantindo assim a possibilidade de “sonhar” e criar. Enfim Birman aponta como causa do mal-estar a dificuldade do homem contemporâneo de “pensar”, paralisado como está em sua capacidade de simbolizar.
A microcefalia psíquica acompanha uma sensação constante de esvaziamento de si, de inutilidade, como diria Winnicott. Tudo isso faz com que a ação seja substituída pela mera “reação”, como assistimos diariamente nos espaços da vida privada e pública. Na esfera pública (política, social e econômica) em particular, a microcefalia psíquica se revela como um fenômeno particularmente angustiante diante do cenário preocupante do país e do mundo. Aqui a preocupação é com a manutenção e a recriação compulsiva do mesmo, sem possibilidade de sonhar algo novo.