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Os Descendentes: a difícil arte de perdoar

A temática do perdão é abordada de maneira tocante no filme “Descendentes”, vencedor do Oscar Alexander Payne, protagonizado por George Clooney. Diante de uma tragédia que se abate sobre a família, pai e filhas adolescentes têm que lidar com as limitações mútuas, mas o mais difícil é lidar com os erros da mãe que já não pode ser confrontada por estar em coma.O filme retrata uma situação familiar complexa, envolvendo abandono afetivo, falhas no relacionamento e traição, onde o perdão não é fácil. Todos acabam mergulhando no ressentimento acumulado, em suas próprias culpas e no turbilhão de suas emoções, tendo que lidar com a agressividade que marca as relações familiares. O amor prevalece, mas não sem antes passar pelo espinhoso caminho da reconstrução dos vínculos e da redenção pessoal. É justamente sobre isso que gostaria de refletir. Muitas vezes o perdão é apresentado como uma imposição moralista, baseada em um simplismo voluntarista, que não leva em conta a complexidade dos sentimentos envolvidos e a necessidade de entrar em contato com eles para que seja possível elaborá-los e integrá-los.

A necessidade de perdoar surge a partir do momento em que nos sentimos agredidos por uma situação considerada injusta e de alguma forma violenta, provocada por alguém com quem mantemos vínculos mais ou menos estreitos. Naturalmente, quanto mais profunda for a relação, mais difícil é o perdão.

Na prática, é necessário antes de tudo poder lidar com a raiva, que será administrada de acordo com a autorização que cada um tem de acessá-la. Contrariamente ao que se pensa, nem todos têm um acesso consciente à sua agressividade. Para muitos ela atua apenas no plano inconsciente ou subconsciente e acaba se manifestando de forma sorrateira, através de agressões veladas, involuntárias, que jogam uma sombra de amargura nos relacionamentos. O perdão concedido de forma superficial, às pressas, geralmente acarreta esse tipo de ressentimento que perdura por anos a fio e provoca o afastamento emocional.

Entrar em contato com a própria raiva significa reconhecer que ela existe e que tem o direito de existir. O que vamos depois fazer com ela é outra questão. A raiva é importante para poder encarar a injustiça e eventualmente quem consideramos ser o autor da injustiça ou da violência que nos atingiu.

Do ponto de vista psíquico, é extremamente importante que haja algum reconhecimento do erro cometido. Não é sobre a manutenção da injustiça que se pode construir o perdão. O reconhecimento do erro cometido paradoxalmente pode vir por parte do próprio autor da agressão ou de quem perdoa (como no caso do filme em que a “culpada” está em coma).

A grande metáfora cristã do perdão é a parábola evangélica do Filho Pródigo. Nela há o reconhecimento por parte do filho dos seus erros e a disposição de aceitar as consequências dos seus atos. A generosidade do pai contudo resolve recoloca-lo no lugar de destaque que ele ocupava antes de abandonar a casa paterna. Esta acredito ser a parte mais difícil do perdão. Até que ponto alguém pode voltar a merecer a nossa confiança? Como isso pode ser feito de forma plena, sem forçação voluntaristas, com a adesão do nosso psiquismo? Creio que isto seja possível somente desde que haja o reconhecimento da injustiça sofrida e a disposição para repará-la. Este reconhecimento é a meu ver fundamental para que o psiquismo não se sinta violentado e possa participar do processo do perdão.

https://youtu.be/3li2vOCgzd8

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