Meu filho tem 30 anos e mora comigo até hoje. Até agora ele não conseguiu emprego e parece ter se acomodado a viver com os pais. O que leva jovens como ele a agirem assim? (Dona Ana Paula, de São Paulo – SP)
A tendência dos jovens prolongarem a sua saída de casa para enfrentar uma vida autônoma não é novidade e representa um fenômeno que tende a crescer no mundo ocidental (não conheço pesquisas sobre como o fenômeno está evoluindo no mundo islâmico e no Oriente).
Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) no Brasil, um em quatro jovens adultos entre 25 e 34 anos ainda vive com os pais. Entre os homens o número dobrou na última década, passando de 13,7%, em 1986, para 24,2% em 2008,. Entre as mulheres, o aumento foi menor: de 13,7% (1986) para 18,3% (2008). O levantamento foi feito pela demógrafa Regiane de Carvalho em sua tese de mestrado e atualizado a pedido do jornal O Estado de S. Paulo, do qual os dados foram extraídos.
A mesma pesquisa, comparando a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD/IBGE) de 1986 com a de 2006 mostrou que, no grupo de 30 a 34 anos, o índice subiu de 13,7% para 22,2%. Já o número de mulheres na mesma faixa etária, aumentou de 13,7% para 17,8%.
Os números por si só demonstram que o caso relatado pela nossa leitora não é isolado. As reações dos leitores no blog do site onde o artigo foi publicado mostram claramente que o fenômeno é complexo e abrange situações bastante diferenciadas.
Os jovens optam por trocar sua autonomia por casa, comida e roupa lavada por várias razões. Do ponto de vista socioeconômico, a inserção no mundo “adulto” é atrasada pelas mudanças do mercado de trabalho que exige uma formação cada vez mais apurada e longa. Os jovens que trabalham na condição de estagiários ou no primeiro emprego ganham muito pouco para poder se sustentar sem a ajuda dos pais já que o custo de vida, incluindo alimentação, aluguel, transporte, serviços, etc., aumentou consideravelmente nas últimas décadas.
Por outro lado, os jovens não abrem mão facilmente do seu conforto, sobretudo quando a família permite que eles vivam de forma bastante independente dentro de casa, onde podem contar com seu próprio quarto, computador, tendo assim salvaguardada a sua intimidade. Alguns podem até contar com o luxo de um carro próprio, mesada e a facilidade de trazer o(a) namorado(a) para dormir em casa. Por que complicar a vida morando fora?
Há ainda o problema que, às vezes, conscientemente ou inconscientemente, os pais “querem” que os filhos continuem próximos. Viver a vida dos filhos é sempre uma boa opção para os pais que não conseguiram ter sua própria vida para viver.
De ponto de vida estritamente psicológico, o jovem precisa de uma autorização interna para buscar a própria autonomia. Nem sempre isso acontece de forma adequada. Como já frisei em outros artigos, a busca da autonomia é um processo que começa muito cedo, praticamente desde o nascimento. A forma como o bebê interage com o ambiente que o recebe é fundamental nesse sentido. Experiências sucessivas tendem a fortalecer a sensação de ter ou não ter o direito de ocupar um lugar no mundo. De alguma forma, é a mãe que autoriza o filho a ocupar esse lugar no mundo, a existir (ex-sistir, sair de si mesmo em direção ao mundo). É o jovem retraído, passivo, que tende a não conseguir sonhar com seu próprio futuro.
Em outros casos, a síndrome é oposta. A forma como o bebê interage com o ambiente (em primeiro lugar a mãe), reforçada por experiências sucessivas na relação com os pais (em especial com o pai), podem levar a uma espécie de identificação simbiótica com a mãe e a uma intolerância às frustrações e portanto a enfrentar as dificuldades e as restrições que a vida adulta comporta. É o jovem que tende a ser narcísico, às vezes agressivo, pouco hábil em lidar com as exigências do mundo externo.
Seja como for o caso, é importante que os pais estimulem a busca da autonomia, tentando entender o que “bloqueia” o(a) filho(a) e modificando o seu comportamento na medida em que isso contribui para manter essa situação.