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Escuta e pensamento

Escuta e pensamento
Estou cada vez mais convencido que a capacidade de pensar está estritamente relacionada à capacidade de escutar. Essa escuta do Outro é o que de fato introduz em nós a possibilidade de “desconstruir” o nosso pensamento; a escuta provoca de certa forma um colapso do já pensado, do que foi capturado em códigos rígidos e tranquilizadores, criados a partir do nosso mundo internoO processo de pensar, por ser um processo criativo, começa com o caos. A escuta proporciona esse caos, quando ela for vivida como uma radical suspensão do nosso discurso interno. Trata-se de um processo difícil, que exige coragem e treino, pois nos joga na angústia, ou, como dizia o psicanalista inglês Bion, na “turbulência emocional”.

Esse desnudamento diante do outro que é a escuta, exige a humildade de estar no lugar daquele que “não sabe”, do “ignorans”, do indigente de pensamento. A prática clínica exige essa forma de escuta, cada paciente é ”novo”, cada sessão é ”a primeira”, cada encontro é o encontro com o desconhecido.

Trata-se de uma espécie de ascese do psicanalista, particularmente difícil porque, na maioria das vezes, o paciente nos coloca no lugar do “suposto saber”, até ele descobrir que deve deixar de se apoiar no “saber” do analista, para adentrar seu próprio “não saber” e, portanto, sua capacidade de escutar o mundo, o Outro.

Nas relações normais, o processo da escuta é atrapalhado pela ansiedade de ver o nosso saber reconhecido, de ganhar um lugar no afeto do outro, de conquistar sua consideração. A ansiedade é mais intensa quando esse lugar no mundo, para nós, não é garantido, não nos foi dado pelas relações primitivas e pelos encontros sucessivos com os diferentes mundos que habitamos.

Neste caso, o recurso é o fechamento no não-pensamento. Os não-pensantes, escondem por trás da falsa potência do seu discurso arrogante e reducionista a incapacidade de aceitar o desafio do Outro, de viver o confronto.

Desta forma, o outro é desqualificado, como ignorans” e rotulado para ser colocado no estante fechado da nossa rigidez psíquica, não importa se o rótulo for aquele de “vagabundo”, “coxinha”, “burguês”, “bixa”, “negro”, etc. Os rótulos, ao definirem o que por si não é definível, nos tranquilizam, evitam que entremos na “turbulência emocional” que descontrói  o ”já sabido”, o “representado”, para nos colocar diante do mistério do Outro, do “não representado”.

 

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