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Desistência da vida e escolhas difíceis

Desistência da vida e escolhas difíceis
Estou vivendo uma situação difícil, a razão me diz que devo tomar uma decisão, mas algo dentro de mim o impede, pois seria uma decisão muito grave que causaria uma mudança radical em minha vida. Será que estou desistindo de viver? J. C. (São Paulo)

 A pergunta nos remete a uma daquelas situações em que nos sentimos paralisados, incapazes de tomar uma decisão. Racionalmente tudo parece apontar para um caminho, mas nos sentimos incapazes de tomar uma decisão que rompa radicalmente com uma situação que nos oprime. Pode até haver tentativas, mas inevitavelmente voltamos para trás e nos sentimos paralisados.

Como lidar com esse tipo de situação extremamente penosa? Embora seja sutil, há uma diferença entre desistir da vida e tomar uma decisão que, conscientemente, nos mantém em uma situação difícil e de sofrimento.

Tenho acompanhado com certa frequência esse fenômeno no consultório. Nesses casos, sempre muito doloridos, o processo é lento. Geralmente as decisões que se apresentam são difíceis: sair de um casamento malsucedido e opressivo, desistir de um namoro, deixar um trabalho ou uma profissão para escolher outra, sair de casa, mudar de cidade ou de país, etc. Enfim trata-se de decisões que mudarão definitivamente o rumo da vida de uma pessoa.

 O bloqueio para tomar uma decisão pode surgir de fatores diferentes, ligados ao funcionamento psíquico da pessoa. Como distinguir processos saudáveis, de processos doentios? Não é fácil, mas de forma sutil a pessoa pode chegar a perceber a diferença entre o que seria para ela desistir da vida ou simplesmente tomar uma decisão difícil.

Por que é tão importante diferenciar uma coisa da outra? A desistência é uma das situações mais graves e prejudiciais para o psiquismo e envolve uma progressiva falta de interesse pela vida que leva invariavelmente à paralisia psíquica. Já tomar uma decisão difícil pode envolver certa dose de sofrimento, mas faz com que a pessoa tome posse de si e, mesmo enfrentando uma situação penosa sinta que está vivendo aquilo que escolheu viver.

O que caracteriza, do ponto de vista psíquico, esta segunda situação e por que é diferente da desistência, mesmo quando, aparentemente pode, do ponto de vista prático, parecer uma desistência?

Geralmente o que diferencia tomar uma decisão difícil, que envolve algum tipo de frustração do desejo, da desistência é o núcleo a partir do qual a decisão é tomada. No primeiro caso, o Self (ou seja, o Eu profundo da pessoa) é envolvido na decisão difícil, pois ele está no comando, se apropriando de algum aspecto que é fundamental e constitutivo para a sua subjetividade. Os aspectos mais profundos e constitutivos do Eu profundo dizem respeito de maneira especial a seus valores éticos e estéticos. Trata-se da forma como a pessoa concebe a si mesma e como concebe o seu estar no mundo envolvendo valores éticos (senso de justiça, capacidade de doação, coerência, etc.) e estéticos (beleza, harmonia, organização do espaço e do tempo, etc.)

Quando alguma decisão fere aspectos que envolvem o que o sujeito considera ser sua estrutura de personalidade essencial, sua subjetividade, gera-se internamente um profundo malestar.

Já no caso da desistência, o que falta é justamente essa referência a si mesmo, ela é essencialmente uma desistência de si, uma espécie de covardia psíquica.

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