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Depressão, mal do século?

A depressão, mal do século?

 No seu livro O tempo e o cão, a psicanalista Maria Rita Kehl, aborda com propriedade, perspicácia e profundidade as síndromes depressivas, consideradas por alguns o mal do século. Gostaria de retomar algumas de suas reflexões, pois acredito possam ser de grande ajuda para os nossos leitores.

A depressão é uma das mais frequentes queixas dos que buscam ajuda nos consultórios de médicos, psiquiatras, psicólogos, psicanalistas e terapeutas em geral. Ela se manifesta através de sintomas físicos que envolvem distúrbios do sono, falta de apetite sexual, dificuldades com a alimentação, desânimo, prostração, cansaço, etc.

 Um dos méritos do livro de Maria Rita Kehl é de traçar um paralelo entre o perfil da histérica do século XIX e do deprimido dos nossos dias, mostrando como, em ambos os casos, trata-se de distúrbios psíquicos que são também uma forma de “protesto” da psique contra o peso que as injunções sociais exercem sobre o indivíduo.

Outro grande mérito do livro é estabelecer uma distinção entre estados melancólicos e depressão propriamente dita. Trata-se de uma distinção que, por causa da semelhança dos sintomas, nem sempre é clara para os próprios profissionais que lidam com as síndromes depressivas.

Na melancolia, o que inibe o desejo é a sensação de que os investimentos afetivos perdem sua força por focarem objetos que não estão ao alcance, inacessíveis no presente, perdidos nas brumas do passado ou da idealização. O melancólico nunca consegue se empolgar com o que este ao seu alcance, porque ele vive à procura de objetos distantes, idealizados, não disponíveis. A sensação do melancólico é de estar sempre velando objetos mortos.

Já o depressivo se sente impotente diante dos objetos que se apresentam como possíveis de serem investidos. Se o que incomoda o melancólico é a suposta ausência do objeto do seu desejo, o que incomoda o deprimido é a presença de um objeto que se apresenta como inalcançável, exigindo a sua desistência diante do objeto e do próprio desejo.

Enquanto o melancólico/depressivo era considerado um gênio incompreendido desde a antiguidade até os tempos modernos, levando em conta o grande número de personalidades de destaque que sofriam desse mal, hoje ele é considerado um chato, cansativo e privo de qualquer interesse.

Bom, na realidade nem todos consideram o depressivo privo de interesse. Temos de fato um crescente interesse da indústria farmacêutica para esse tipo de síndromes. As pílulas da felicidade, como são chamados ironicamente os antidepressivos, representam de fato uma parte considerável do faturamento dessas empresas. Renomados psiquiatras chegam a considerar normal e necessário o uso desses remédios para poder viver “com mais qualidade”, evitando qualquer tipo de mal-estar, variação incômoda de humor e sensação desagradável diante do peso das situações do dia-a-dia. “Sejamos felizes!” é o lema da sociedade atual. Quem não é feliz está excluído do glamoroso mundo dos bem-sucedidos. Viver é simples assim!

O impressionante aumento de síndromes depressivas nas estatísticas mundiais que envolvem saúde pública, no entanto, demonstra que as coisas não são tão simples assim. Há quem alegue que o fato de termos hoje um maior detalhamento dos sintomas dessa síndrome permite seu diagnóstico em um número maior de casos. No entanto o argumento não convence, sobretudo porque é usado pela indústria farmacêutica nos congressos promovidos para os médicos, sugerindo a necessidade de incluir cada vez mais “distúrbios” sob o diagnóstico de depressão.

Claro que não é fácil admitir que a vida promovida pela sociedade atual provoque exatamente o contrário daquilo que promete, com seus incessantes apelos para a felicidade, o consumo desenfreado, o desejo sem limites, o bem-estar e a “qualidade de vida”. No entanto tudo aponta pelo fato da depressão ser cada vez mais um mal comum.

No plano psíquico, o que prevalece no deprimido é o sentimento generalizado de falta de sentido e de gosto pela vida, mudanças de humor, uma sensação de deslocamento em relação ao contexto social onde ele está inserido e a falta de esperança e de perspectivas para o futuro.

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