Duas atitudes patológicas emergem de forma bastante clara nas reações das pessoas e sobretudo nas mídias sociais: paranoia e negação. A máxima aristotélica in médio stat virtus (a virtude está no meio) nunca foi tão apropriada. Vale a pena lembrar que virtus em latim significa não apenas um atributo ético e sim também “força/potência”.
Se a paranoia está levando alguns a saquear os supermercados (aliás é particularmente interessante para a psicanálise essa preferência pelo papel higiênico), dominados pelo medo do desabastecimento, outros inspirados nas teorias olavistas do nosso presidente, insistem em dizer que estamos apenas vivendo uma gripezinha que logo passará.
No entanto a realidade se impõe e temos que lidar com a ideia de que o mundo “de antes” não existe mais. O luto é portanto o primeiro sentimento que nos atravessa. O desafio psíquico que se impõe é evitar que se torne melancolia, sentimento irreparável que nos precipita na falta crônica.
A comorbidade define a característica biológica e a periculosidade do Covid-19. Do ponto de vista psíquico não é diferente. A situação que a pandemia gerou faz com que as patologias psíquicas sejam reforçadas, o histérico fica mais histérico, o ansioso mais ansioso, o fóbico mais fóbico, o obsessivo mais obsessivo e o perverso mais perverso. Há contudo uma exceção: os depressivos parecem de certa forma, pelo menos inicialmente, mais aliviados, pois a forma como eles percebem o mundo é agora compartilhada pela maioria, o cortejo dos bem-sucedido e dos adeptos ao gozo se retirou das páginas das mídias sociais, a sensação de inutilidade, de incerteza e de impotência se disseminaram.
Uma primeira profilaxia psíquica é aceitar essa gama reforçada de sentimentos e acolher os esforços que a nossa mente está fazendo para beber esse cálice amargo. Crises da vida são chances da vida. Uma conhecida analista junguiana, Verena Kast, intitulou dessa forma um dos seus livros. Diante de uma crise a mente começa um doloroso processo “digestivo”, ruminante, algo que Bion descrevia como “turbulência emocional”, uma espécie de bloqueio da capacidade de pensar algo que se apresenta como impensável.
O imprevisível e o não controlável sabotam a nossa capacidade de pensar. O Real na sua misteriosa e compacta opacidade se instala na nossa frente como o impensável. O limite se mostra como um muro alto e insuperável. É necessário que nos desafiemos a acolher esses sentimentos desagradáveis para que possamos passar à fase sucessiva, onde, entre a neblina, se delineiam formas, possíveis pensáveis, processos criativos incipientes. Onde nossa psique consiga exercitar sua capacidade de criar o novo.