Quando o amor permanece, mas o desejo sexual acaba é possível continuar um casamento? (Anônima)
O desejo sexual é parte integrante da relação amorosa, assim como a perna é parte integrante do corpo. Isto não quer dizer que alguém não possa sobreviver sem uma perna e continuar sua vida dentro de certa normalidade, eventualmente substituindo-a por uma prótese.
O exemplo é banal, mas creio que possa dar uma noção de como o casamento possa sobreviver sem sinais explícitos do desejo sexual. No entanto não devemos minimizar a importância deste aspecto: embora a relação amorosa não tenha como único ingrediente o desejo sexual, este é importante e sua ausência pode ameaçar o vínculo.
Uma das teorias mais perturbadoras de Freud é a descoberta de que no ser humano o impulso que o leva a se vincular a outra pessoa tem sempre uma conotação sexual. Quando Freud aplicou essa teoria inclusive à relação que liga a criança aos pais (Complexo de Édipo), gerou um profundo mal-estar e discussões acirradas.
O desejo sexual está presente no âmago das relações humanas que envolvem algum tipo de afeto, inclusive nos vínculos de amizade e filias. A forma como esse desejo se manifesta e se organiza naturalmente muda por causa das restrições sócias que pautam o meio cultural no qual estamos inseridos, mas o desejo sexual não deixa de estar presente.
Com o tempo, no casamento o desejo sexual em sua forma explícita (a relação sexual) pode manifestar sinais de desgaste, mas talvez ele apenas tenha se transformado e tenha sido sublimado em outras formas de erotizar a relação, resultando em experiências prazerosas envolvendo cumplicidade, afinidade de interesses, admiração mútua e gosto em cuidar um do outro. Mesmo que o desejo sexual não se manifeste com frequência através de uma relação sexual explícita, ele pode estar presente nos gestos de afeto, nos toques que favorecem o contato corporal.
Em contrapartida, a falta radical de intimidade, de proximidade física, de contato corporal é um indício de que a o casamento está passando por uma crise grave, talvez irreparável.