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Câncer: o fantasma da morte

Receber o diagnóstico de câncer pode ser sinal de desafio de vida e não de morte?

O câncer, ou tumor maligno, representa hoje a segunda maior causa de morte no Brasil, onde são registraedos a cada ano cerca de 305.000 novos casos, dos quais 117.000 letais.

Receber um diagnóstico de câncer é, do ponto de vista psicológico, uma experiência difícil e traumática. Embora a medicina tenha avançado bastante nesse campo e possa garantir a recuperação a um número alto de pacientes afetados pela doença, sobretudo quando diagnosticada no início do seu desenvolvimento, a palavra câncer encerra em si um significante enigmático, que dificilmente pode ser ignorado.

A chance de morte, pelos números fornecidos pelo Ministério da Saúde, é de menos de 40%, mas, mesmo assim, ainda é alta e pode ser maior dependendo do tipo de câncer e o seu estágio de desenvolvimento.

Se considerarmos ainda que, muitas vezes, o câncer está relacionado a uma somatização de problemas emocionais, é ainda mais difícil que, ao receber o diagnóstico, o paciente consiga lidar bem com aquilo que ele considera de antemão uma condenação à morte. Os motivos emocionais que o levaram a desenvolver o câncer permanecem, a não ser que sejam identificados através de um tratamento de caráter psicológico. As reações inconscientes podem envolver negação, raiva, estados melancólicos, etc.

Falar em desafio de vida para um paciente nessa situação emocional pode ser prejudicial, pois contribui para fazê-lo mergulhar em um estado de depressão ainda mais profundo.

Pela experiência clínica que tenho tido com pessoas com câncer em fase de recuperação, tenho certeza que a experiência, como qualquer outra experiência humana que envolve sofrimento, pode se tornar um marco positivo na vida da pessoa, mas isso só acontece com o tempo.

No primeiro momento a pessoa precisa mergulhar na sua dor e entrar em contato com a angústia, para poder significa-la. Acompanhar o doente nessa fase é bastante difícil, pois supõe caminhar com ele no vale da desolação e da morte, aceitando a impotência e lidando com a desesperança. Isto supõe ser mais ouvinte do que “conselheiro”, em uma atitude estática de escuta. A “escuta” no entanto nunca é apenas estática, ela envolve um certo dinamismo, pois a palavra que é ecoada pela presença do outro, retorna a quem a proferiu sempre com um novo significado.

Saber escutar nesses momentos é fundamental, para que a dor seja “validada”. Somente assim, em um segundo momento, ela poderá adquirir um significado humano.

Naturalmente tudo isso se torna muito mais difícil no caso dos pacientes que apresentam tipos de câncer incuráveis e que são encaminhados para tratamentos paliativos. Sugiro a esse respeito a leitura do livro de Marie de Hennezel A morte íntima, publicado pela editora Ideias & Letras. O subtítulo é altamente sugestivo: “Aqueles que vão morrer nos ensinam a viver”.

Embora seja possível morrer com dignidade, ou como dizia D. Winnicott, morrer “estando vivos”, nunca devemos banalizar a morte, pois ela se apresenta como um paradoxo inexplicável, que somente pode ser vivido dessa maneira, desde que tenhamos aprendido a viver com os inúmeros paradoxos que a vida nos apresenta.

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