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AI: e aí?

Pensamentos contraditórios me atravessam ao tentar assimilar as mudanças que essa nova e revolucionária tecnologia comporta. Por ter vivido inúmeras mudanças na minha vida sei que elas são inevitáveis e ao mesmo tempo desafiadoras.

A AI no entanto traz consigo desafios cujo alcance é difícil prever. O historiador Yuval N. Harari, em um dos melhores vídeos que assisti sobre o tema, levanta uma questão fundamental que nos permite perceber o alcance dessa revolução cibernética: o que será afetado de forma radical será a “linguagem”. O ser humano é um ser de linguagem. Não é por acaso que o psicanalista francês J. Lacan fez uma radical releitura da psicanálise sob essa perspectiva.

É a linguagem dos nossos pais e do meio que nos recebe que nos “sonha” antes mesmo de nascer. Como pensa Lacan, é a linguagem (em sentido amplo) do Outro que nos captura desde o início da nossa vida e, na sua perspectiva, o grande desafio é se libertar da linguagem do Outro para que possamos nos tornar sujeitos que falam sua própria linguagem.

A linguagem define quem eu sou e ao mesmo tempo permite que me comunique com o outro, na tentativa de representar o mundo sob minha ótica. As tensões que o mundo vive se devem em grande parte ao equívoco de pensar que nossa linguagem é universal e necessária: De fato a linguagem é apenas uma tentativa de representar o mundo: o que nós consideramos como sendo Real, mas o nosso acesso ao Real é sempre barrado pelo nosso imaginário e é do nosso imaginário que extraímos o que dá significado à nossa vida, a realidade assim como a concebemos.

A linguagem é a grande força do ser humano e é, ao mesmo tempo, sua grande armadilha. A AI promete nos livrar dessa armadilha ao possibilitar que a máquina produza textos, imagens, músicas e até novos códigos de algoritmo em sua própria linguagem supostamente isenta por não ser atravessadas pelos sentimentos (ou pelo Inconsciente, como diria a psicanálise). Isso poderia teoricamente nos salvar das armadilhas da nossa linguagem, desde que a imensa base de dados da qual a AI se alimenta, fosse isenta das armadilhas que o próprio ser humano articulou, às vezes com enorme sofisticação. O que vai articular as “escolhas” da AI? Critérios matemáticos provavelmente, estatísticas voltadas aos fins que ela se propõe alcançar nas suas produções a partir das solicitações que lhe são dirigidas.

Enfim ao mexer com aquilo que é mais próximo do humano, sua capacidade de linguagem, a AI vai mexer com algo que determina o humano em si mesmo.

Esse é o grande desafio. Harari vê nisso uma urgente necessidade que a AI seja regulamentada, que seus limites sejam definidos pela humanidade, antes que ela mesma determine seus próprios códigos de conduta e de ética.

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