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Os “Rolezinhos”: uma leitura

“Rolezinhos”: uma análise do fenômeno

Os Shoppings Centers são uma das passarelas onde são exibidos os ícones alvo das aspirações de consumo de todas as classes sociais.

Se participar do cortejo dos bem-sucedidos tornou-se um imperativo da nova economia psíquica, inspirada no apelo ao gozo sem fim (cf. Melman & Lebrun, O homem sem gravidade), não surpreende que os jovens da periferia queiram ter acesso a esse mundo glamoroso.

Uma expressão desse fenômeno é o Funk, um gênero musical típico da periferia, marcado pela passagem do Funk “bandido”, que exaltava a marginalidade como lugar de protesto e de diferenciação, para o Funk “ostentação”, cujos ícones são os MCs endinheirados, expressão do gozo do consumo desmedido dos produtos de grife. Mas por que marcar encontro pelas redes sociais para que milhares de pessoas possam “ocupar” um espaço até então reservado a um público mais seleto que justamente ali se refugia para fugir da “ralé”?

Não há dúvida que a “convocação” não é apenas um gesto inocente de uma juventude que aspira a uma vida mais digna, mas uma provocação, uma forma de  protesto marcada pelo desejo de “quebrar as regras”.

Trata-se em suma de mais um sinal da tensão social que, a partir das manifestações populares de meados de 2013 vem se espalhando, trazendo consigo um viés de violência e de ruptura com as exigências do convívio social. Podemos sem dúvida identificar nisso formas psíquicas de atuação “perversa”, marcada pela onipotência e pela desconsideração das exigências da realidade compartilhada.

Os sinais aparecem desde a barbárie da situação maranhense, tradicionalmente marcada por uma correspondente e não menos violenta “perversão” do sistema público, até fenômenos não tão violentos, mas igualmente agressivos. Podemos traçar uma linha que vai desde as violações dos túmulos do cemitério do Araçá, até as crescentes pichações de monumentos e de propriedade particular, quebra-quebras e as ocupações por parte de sem teto de locais centrais, habitualmente protegidos de invasões desse tipo. Predomina uma sensação de caos.

Se o rolezinho é uma forma de transgressão, seria um exagero traçar um paralelo entre a “desregulamentação” exigida pelo sistema econômico predominante e a equivalente “desregulamentação” da sociedade, cada vez mais à mercê de sistemas públicos preocupados apenas com articulações políticas voltadas a mantê-los no poder e garantir seus privilégios e os privilégios dos que sustentam suas campanhas eleitorais?

Jessé de Souza, doutor em sociologia pela Universidade de Heidelberg, entrevistado no site do Estadão por Sonia Racy, realizou uma pesquisa em todo o Brasil para verificar até que ponto é possível falar do surgimento de uma nova classe média (as classes C e D).

Para esse pesquisador o Brasil passou por um processo que criou a ilusão de que as tradicionais barreiras sociais estariam superadas. Quem mora na periferia sabe o quanto isso é ilusório. A educação oferecida continua sendo precária, pois não permite uma inserção no mercado de trabalho em paridade de condições com quem estudou nas melhores escolas. O acesso ao consumo também é precário já que 70% do PIB brasileiro continua nas mãos dos mais endinheirados (1% da população detém 50% do PIB).

Mesmo assim, a alegada inclusão faz com que uma fatia da população, antes excluída, se sinta autorizada a buscar a ascensão social. Voltando aos rolezinhos, não há dúvida que sinais do reconhecimento e do prestigio estão disponíveis justamente nos santuários do consumo, aos quais os jovens aspiram ter acesso.

Isto abre caminho para uma constatação que certamente não agradará aos militantes de esquerda: as classes menos privilegiadas não aspiram a uma sociedade sem classes, como sonhava Marx, e sim a ascender para a classe dos que tem poder e prestígio de onde continuarão a agir como os que até pouco antes invejavam, pois uma característica do pertencimento às classes mais favorecidas é a exigência da manutenção dos privilégios (o “elevador de serviço” reservado aos serviçais é um exemplo disso).

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