Ás vezes percebo que existe uma harmonia no meio deste caos que a vida apresenta ser. É um fio sutil que liga situações, experiências, sensações, idéias. Se ele é tão impalpável que quase se confunde com os nossos sonhos, manifesta-se real e consistente por estar presente fora de nós, mergulhado no real. Ele vibra e solta as suas notas melodiosas na desajeitada mistura de sons, que tende teimosamente a se tornar sinfonia de Vidas.
Existe uma lógica na manifestação caótica do Real? Acostumados a conceber a lógica como uma estável organização de conceitos formalmente organizados, temos esquecido que esta organização conceitual só existe na nossa mente, fruto da abstração, brilho instantâneo de uma realidade em contínua evolução, em movimento. Quem começa a perceber isso e procura aceitar o desafio da lógica dialética, arrisca perder o equilíbrio, vê-se perdido, sem rumo. É como se todos os instrumentos da orquestra da vida começassem a desafinar. Oh perdida harmonia! Oh doce som que nos guiava! Oh notas simples da nossa infância! Onde estais?
Mergulhar no Caos é a experiência que nos torna mais maduros. Falei de infância e falo de maturidade; mas tudo isso acontece independentemente do nosso crescimento físico. Para alguns, talvez só a morte representará a passagem da infância para a maturidade.
Antigamente, alguns pensadores e místicos argumentavam existir uma sintonia entre conhecer e Ser, que permitiria uma intuição imediata do Ser. Trataria-se de um velado critério de certeza, uma espécie de insight, superior à pura certeza lógica, fruto do raciocínio e da autópsia do Ser. Se o formalismo lógico nos leva a um saber redutivo, fechado, irremediavelmente destinado à miopia fundamentalista, à ideologização (uso da idéia como poder repressivo e justificação do “status quo”), a experiência do mergulho na realidade dialética do Ser nos torna humildes, abertos ao “novo”, crianças sempre “admiradas” diante do milagre da vida. Tudo isso além da angústia e da solidão, que se impõem a partir do momento em que descobrimos que nossos conhecimentos, nossa maneira de ver as coisas, de avaliar as situações e de julgar as pessoas, são frutos de nossas imagens internas, de nossas fantasias inconscientes. Perceber que existe um hiato entre o mundo interno das percepções e a realidade externa, pode nos ajudar a equacionar o fechamento narcísico e a abertura angustiante para o Outro, num movimento em que o mundo narcísico das fantasias inconscientes e a percepção dos objetos externos tendem a se harmonizar.