Zenao de Cicio
O Estoicismo
1. O princípio da conciliação e da conservação do ser
O animal, já ao nascer, se afina consigo mesmo para a conservação do próprio estado e para gostar de tudo o que ajuda a conservá-lo, como também para fugir da destruição e de tudo o que pareça capaz de destruí-lo. A prova disso está no fato de que, ainda antes de ter alguma percepção de prazer ou de dor, os pequeninos procuram as coisas salutares e fogem das contrárias. O que não aconteceria, caso não gostassem do próprio estado e não temessem a destruição. E, por outro lado, não poderiam desejar coisa alguma, caso não tivessem o senso de si mesmos e por isso gostassem de si.
Zenão, fr. 24, por Cícero, Sobre os fins, III, 16.
2. Conseqüências morais que derivam do princípio
O homem se concilia antes de tudo às coisas conformes a sua natureza: e, conforme o princípio de acolher aquilo que é conforme à natureza e rejeitar aquilo que lhe é contrário, surge o primeiro dever de conservar-se na constituição natural e ater-se a tudo aquilo que confere a ela, rejeitando aquilo que lhe é adverso. Uma vez encontrado este procedimento de escolha e de rejeição, imediatamente depois vem o hábito obrigatório de escolher a cada momento, atendo-se constantemente e até ao último, à natureza; e aqui começamos a encontrar e sentir a idéia daquilo que poderá ser chamado de sumo bem.
Depois, quando adquire a capacidade e entender e vê a ordem, e, por assim dizer, a concórdia sobre as ações a realizar, atribui a este conhecimento um valor muito maior que a todas as coisas antes amadas, e, por meio de conhecimento e de razão, se convence que aí repousa aquele sumo bem que é fim para si mesmo. Aquele sumo bem repousa na homologia, isto é, na coerência de toda a vida; e a ele se reportam todas as ações virtuosas e a própria virtude. Reconhecendo este sumo bem, ele se torna o único e unicamente desejável; e os bens naturais que serviram para alcançar este ponto, não são desejáveis de fato por si mesmos.
Zenão, fr. 25, por Cícero, Sobre os fins, III, 20-21.
3. O fim supremo para o homem: viver segundo a natureza
Definição do fim (telos) segundo Zenão: “viver de modo coerente”; o que significa viver em conformidade com uma razão única e concorde, ao passo que aqueles que vivem de modo contraditório são infelizes.
Dizemos fim (telos) um bem perfeito, como dizemos que é fim a coerência; mas dizemos fim também o escopo, como dizemos que é um fim o viver coerentemente e também dizemos fim o último dos bens desejáveis, ao qual todos os outros se reportam.
Fim é a felicidade, para o qual toda coisa se faz, onde ela se faz, sim, mas não para um escopo estranho a ela: e consiste em viver virtuosamente, em viver coerentemente, e ainda, que é afinal uma coisa só: viver segundo a natureza.
Zenão, fr. 26-28.
4. A virtude como “bem”, o vício como “mal” e a felicidade
A virtude é uma disposição coerente, e devemos procurá-la por si mesma, não por algum temor ou por alguma esperança de coisas externas; e nela consiste a felicidade, pois a alma foi feita para a coerência de toda a vida.
O sumo bem consiste em viver de modo conforme à natureza; isso é, afinal, o mesmo que viver virtuosamente, uma vez que a própria natureza nos guia para a virtude.
O bem último consiste na vida virtuosa, derivada da uniformização com a natureza.
Mal é apenas o vício. Mal é apenas a idiotice.
Zenão, fr. 29-32..
5. As coisas que estão no meio, entre o bem e o mal, são moralmente “indiferentes”
Todas as outras coisas que estão no meio, entre o verdadeiro bem e o verdadeiro mal, não são nem bens, nem males; todavia, algumas são conformes à natureza, outras não, e também aqui há vários graus intermediários.
As coisas conformes à natureza devem ser tomadas e levadas em alguma consideração; as contrárias à natureza devem ser rejeitadas e desprezadas; as intermediárias são indiferentes.
Os entes se dividem em bons, maus e indiferentes. Bons (ou bens) são as seguintes: inteligência, temperança, justiça, fortaleza e tudo aquilo que é virtude ou participa da virtude. Maus (ou males) os seguintes: idiotice, dissolução, injustiça, vileza e tudo aquilo que é vício ou participa do vício. Indiferentes são: a vida e a morte, a celebridade e a obscuridade, a dor e o prazer, a riqueza e a pobreza, a doença e a boa saúde, e coisas semelhantes a estas.
Zenão, fr. 38-39.
6. As coisas “indiferentes” podem ter valor ou desvalor e, portanto, ser “promovidas” ou “removidas”
Entre as coisas indiferentes algumas têm em si algum motivo de serem escolhidas, outras de serem rejeitadas, outras não têm motivo algum em um ou no outro sentido.
Têm motivo de serem escolhidas, e serão chamadas de promovidas, as coisas suscetíveis de considerável estima, em relação a outras, segundo um critério de prelação; têm motivo de serem rejeitadas, e serão chamadas de removidas, as coisas sujeitas a desestima.
O termo promovido não pode ser aplicado aos bens que atingem o máximo da estima; ele representa quase que um segundo grau, que de certo modo confina com o bem. Também em um governo o promovido ou prelado não é o rei, mas alguém da sua corte, isto é, aqueles que vêm depois dele.
Promovidas são as coisas tais não como elementos ou coeficientes da felicidade, mas enquanto é necessário escolhê-las preferentemente às removidas.
Exemplos de coisas promovidas são:
no campo espiritual: o engenho, a arte, o proveito etc.;
no campo físico: a vida, a saúde, a robustez, a boa compleição, a integridade dos membros, a beleza;
no mundo externo: a riqueza, a fama, a nobreza etc.
Exemplos de coisas removidas:
no campo espiritual: a obtusidade, a rudez etc.;
no campo físico: a morte, a enfermidade, a fraqueza, a má constituição, a mutilação, a fealdade etc.;
no mundo externo: a pobreza, a obscuridade, a vulgaridade etc.
Zenão, fr. 41.
7. Ação virtuosa e perfeita, ação viciosa e ações convenientes
Conveniente (kathékon) é aquilo que, quando é realizado na ação, pode ser plenamente justificado diante da razão. Exemplo: a coerência na vida, um princípio natural que se estende também às plantas e aos animais, que vemos que se desenvolvem e agem de modo conforme à própria natureza. Este mesmo princípio, aplicado ao animal racional, dá a fórmula “coerência na vida”. O kathékon é, portanto, um ato inerente às instituição conformes à natureza.
Entre a ação virtuosa (kaórthoma) e ação viciosa (hamartema) encontram lugar o conveniente e o inconveniente. Apenas a ação virtuosa é bem, e apenas o seu contrário é mal; o conveniente e seu contrário são coisas indiferentes.
Mitigando seu princípio severo, Zenão admite entre o sumo bem e o mal extremo coisas indiferentes, porém mais ou menos aceitáveis; e, assim, entre a ação perfeita e o erro colocou vários graus de coisas convenientes e deveres intermediários.
Em relação às riquezas, tudo o mais é indiferente, exceto o modo de usá-las como homem honesto. O sábio renuncia a buscar a riqueza, assim como não se propõe de fugir dela, mas preferentemente prescreve o uso de uma comodidade modesta e não excessiva. A disposição do ânimo para as coisas que não são nem belas nem feias deve estar livre de temores e de fanatismos: as conformes à natureza se usam de modo comum; as outras não devem causar medo: é preciso se abster delas não por temor, mas por clara razão.
Zenão, fr. 1-4.