A necessidade de perdoar surge a partir do momento em que nos sentimos agredidos por uma situação considerada injusta e de alguma forma violenta, provocada por alguém com quem mantemos vínculos mais ou menos estreitos. Naturalmente, quanto mais profunda for a relação, mais difícil é o perdão.
Na prática, é necessário antes de tudo poder lidar com a raiva, que será administrada de acordo com a autorização que cada um tem de acessá-la. Contrariamente ao que se pensa, nem todos têm um acesso consciente à sua agressividade. Para muitos ela atua apenas no plano inconsciente ou subconsciente e acaba se manifestando de forma sorrateira, através de agressões veladas, involuntárias, que jogam uma sombra de amargura nos relacionamentos. O perdão concedido de forma superficial, às pressas, geralmente acarreta esse tipo de ressentimento que perdura por anos a fio e provoca o afastamento emocional.
Entrar em contato com a própria raiva significa reconhecer que ela existe e que tem o direito de existir. O que vamos depois fazer com ela é outra questão. A raiva é importante para poder encarar a injustiça e eventualmente quem consideramos ser o autor da injustiça ou da violência que nos atingiu.
Do ponto de vista psíquico, é extremamente importante que haja algum reconhecimento do erro cometido. Não é sobre a manutenção da injustiça que se pode construir o perdão. O reconhecimento do erro cometido paradoxalmente pode vir por parte do próprio autor da agressão ou de quem perdoa (como no caso do filme em que a “culpada” está em coma).
A grande metáfora cristã do perdão é a parábola evangélica do Filho Pródigo. Nela há o reconhecimento por parte do filho dos seus erros e a disposição de aceitar as consequências dos seus atos. A generosidade do pai contudo resolve recoloca-lo no lugar de destaque que ele ocupava antes de abandonar a casa paterna. Esta acredito ser a parte mais difícil do perdão. Até que ponto alguém pode voltar a merecer a nossa confiança? Como isso pode ser feito de forma plena, sem forçação voluntaristas, com a adesão do nosso psiquismo? Creio que isto seja possível somente desde que haja o reconhecimento da injustiça sofrida e a disposição para repará-la. Este reconhecimento é a meu ver fundamental para que o psiquismo não se sinta violentado e possa participar do processo do perdão.