Brigo muito com minha namorada, pois sou muito caseiro e ela quer sair todo dia. Tento ser flexível, porém às vezes isso chega a ser uma tortura para mim. Qual seria a melhor solução? Ayslan Camargo – Recife (PE)
É normal que um casal enfrente dificuldades no convívio por causas dos diferentes pontos de vista sobre as situações que surgem no dia-a-dia. Os problemas mais sérios começam a se apresentar quando um dos dois acha que sua maneira de ver as coisas é “a certa” e que o outro está “errado”.
O aparecer das palavras certo e errado para julgar situações do dia-a-dia mostra que os diferentes “pontos de vista” se tornaram verdades absolutas. Um ponto de vista é na realidade um ponto para ver as coisas. É como se o casal estivesse vendo um vale, cada qual postado em uma vertente oposta da montanha. O que um vê é diferente do que o outro vê, embora ambos estejam olhando para a mesma coisa.
O importante é perceber que cada um tem “um ponto para ver” as coisas e não a percepção total e absoluta da realidade. Esta, de fato, é objetivamente percebida, mas subjetivamente concebida. O primeiro obstáculo a ser superado em uma relação é a síndrome do certo e do errado, que denota uma apropriação indevida, por parte de um ou de ambos, do direito de julgar a maneira como o outro enfrenta as situações do dia-a-dia a partir de uma “verdade” individual que é sempre suspeita.
Tudo isso mostra uma dificuldade, por parte do casal, que impede de se “deslocar” para o território do outro, na tentativa de compreender seu mundo, seus valores e sua maneira de enfrentar as coisas. Tentar assumir o ponto de vista do outro não é fácil, mas também não é impossível, desde que haja uma certa empatia com a maneira de ser do outro.
A maneira de ser de cada um está relacionada com hábitos, costumes, percepções subjetivas e até com a “cultura” do ambiente familiar onde a pessoa foi criada. Naturalmente influencia também a maneira de ser de cada um sua “neurose”, ou seja a estrutura psíquica que o(a) caracteriza. Ninguém foge disso. Nem tudo o que nós vemos é fruto de um olhar “isento” e saudável. O nosso olhar é distorcido pelas percepções do mundo interno que nos levam a ocnceber as coisas de uma maneira ou de outra independentemente de como elas de fato são.
Existe contudo um limite intransponível nessa possibilidade de “acolher” a maneira de ser do outro. Algo que define a possibilidade de uma relação ser mantida ou não. Trata-se de situações ligadas às “formas” que caracterizam a personalidade de cada um.
Quando a vida a dois exige constantemente deslocamentos para um território que se distancia radicalmente da maneira de ser da pessoa, esta entra em sofrimento e começa a nutrir uma profunda mágoa interna, pois se sente ameaçada em algo que a constitui no seu íntimo, ameaçando sua “forma” de ser.
As formas de cada um são ligadas aos que eu chamo de “objetos cintilantes” do self, ou seja, a aspectos profundamente ligados à estética e à ética de vida de cada um. Pedir a alguém de abrir mão disso, é pedir que ele se “despersonalize”, ou sehja que perca sua identidade. Trata´se de uma violência que atinge profundamente o psiquismo, com conseqüências que varia de pessoa para pessoa.
A agressividade que esse processo desperta, pode ser canalizada contra o mundo externo, tornando a pessoa mal-humorada e agressiva, ou então pode se voltar contra a própria pessoa, fazendo com que ela desenvolva síndromes depressivas, pânico ou até reações psicossomáticas algum tipo de doença física).
O namoro é um período importante justamente porque permite ao casal de avaliar esses aspectos, antes de se comprometer definitivamente com a vida a dois. É um periodo de experimentação e é bom que mantenha essa característica. Ingnorar isso, achando que o casamento ajudará a resolver as diferenças pode ser uma atitude irresponsável que irá causar grandes problemas futuros.{jcomments on}