Luto, Sou viúvo e estou sendo assediado por uma vizinha. Sinto culpa, como se estivesse traindo minha mulher
O que caracteriza o desfecho saudável do processo do luto é a possibilidade de poder retomar o curso de nossa vida. No caso da pessoa falecida ocupar um lugar especial por ser objeto de um vínculo amoroso intenso, o processo costuma ser mais demorado e penoso.
Como expliquei em um artigo recentemente publicado (Do amor ao ódio), o vínculo amoroso é inconscientemente vivido como uma relação de amor e ódio, o que gera sentimentos ambivalentes.
A morte de um ente querido costuma ser encarada pelo inconsciente como uma agressão e, paradoxalmente, gera raiva, como se quem morreu fosse culpado de ter nos deixado. A raiva gera culpa, uma culpa que, por sua vez, vai se somando à culpa de não ter amado o bastante quem morreu quando ainda estava em vida, acompanhada de uma sensação que algo mais poderíamos ter feito, inclusive para evitar sua morte.
Isto explica por que podem surgir sentimentos do tipo apontado na pergunta. Neste caso, deixar disponível para outra mulher o lugar que a esposa ocupava pode parecer um ato de traição. Trata-se de um engano, pois o lugar real que cada pessoa ocupa em nossa vida, diferente daquele criado pela nossa fantasia, é único e não pode ser substituído. Isto não impede que, quando nos abrimos para viver uma nova experiência amorosa, surja a sensação de que estamos traindo e apagando a memória de quem amamos anteriormente, com quem continuamos a manter uma relação não mais real e sim idealizada.
Na realidade não há substituição e sim uma experiência diferente, que não vai apagar a primeira. Cada relação introduz elementos novos, novas possibilidades de vivenciar aspectos compartilhados da realidade, diferentes, como são diferentes as pessoas que, ao se unir, criam novos mundos.
Caso isto não aconteça, a nova relação será vivida à sombra da experiência anterior, como uma vã tentativa de reconstituir o que foi perdido, trazendo mágoa e decepção para ambos os envolvidos.