A descoberta de que a terra gira sobre seu eixo e em torno do sol, como mais um dos tantos planetas do sistema solar, representou um grande choque para a humanidade, que acreditava que habitávamos o centro do universo. As descobertas do fundador da psicanálise, Sigmund Freud, sobre a psique humana também chocaram: Mostraram que a nossa consciência controla apenas uma pequena parte de nosso universo psíquico e que a maioria dos acontecimentos desse universo está fora de seu alcance e de seu controle. Ou seja, Freud descobriu que não temos consciência de tudo o que sentimos e fazemos.
Suas observações refletem a dificuldade que todos temos de aceitar que a consciência é apenas um dos planetas de um sistema psíquico muito mais complexo. Na realidade, sentir raiva ou não independe de nossa vontade e é algo que foge ao nosso controle. Os sentimentos não estão, em sua origem, sob o controle de nossa consciência.
É claro que existe um “sistema” de segurança, que procura manter sob controle ações e sentimentos que não seriam aceitáveis do ponto de vista do convívio social e de acordo com nossos princípios éticos. Freud chamou esse sistema, que também é em grande parte inconsciente, de sobre-eu ou superego, como alguns preferem traduzir. Esse sistema constitui-se desde o início da vida psíquica e se articula de maneira mais complexa a partir dos primeiros quatro ou cinco anos de vida. Esta instância psíquica se situa entre o nosso inconsciente e a nossa consciência e media nossas relações com a realidade. Os sentimentos de raiva, antipatia, inveja, ciúme, etc., que todos nós consideramos desagradáveis e que são condenados do ponto de vista moral, emergem das complexas relações entre os “planetas” que constituem o nosso universo psíquico.
Embora pareça absurdo, sentir raiva do bebê, ou da criança, , é perfeitamente normal. As próprias canções de ninar freqüentemente manifestam esse ódio inconsciente, com expressões que se formos ver são nada adequadas: “A cuca vem te pegar; Boi, boi da cara preta, etc.”. A capacidade de cuidar do outro, de se preocupar com ele surge, do ponto de vista psíquico, da necessidade de “reparar” a culpa que sentimos por ter raiva e ódio do outro, sobretudo quando o outro é alguém importante para nós. Mas então estamos condenados a agir como trogloditas? Não é bem assim, os nossos princípios éticos nos orientam e nos ajudam a lidar com esses produtos do nosso psiquismo. Sentir raiva é uma coisa, deixar que a raiva nos possua é outra. Mas para poder lidar com nossos sentimentos, não adianta negá-los, muito ao contrário, quanto mais os negamos, mais eles atuam no inconsciente. É importante poder nomeá-los (reconhece-los como nossos e identifica-los) e acolhê-los dentro de nós, para poder,, num segundo momento, lidar com eles.